Há 51 anos, no Natal e num Portugal bastante diferente, em que imperava um Regime autoritário e que a censura (“Exame Prévio”) era a regra, a Gazeta das Caldas distribuía um bolo por cada família carenciada nas Caldas. A iniciativa, com o apoio dos leitores e do comércio local, tinha por objetivo que nesses lares houvesse, “ao menos algo doce a amenizar a tristeza de crianças e de idosos”. Um ano depois, já com o 25 de Abril, a situação era muito diferente
Quando se assinalam 50 anos de democracia, recordamos como foi festejado o Natal nos anos 73 e 74. Na primeira página da edição da Gazeta das Caldas, publicada na véspera de Natal de 1973, refere-se que “ensombram-no escuras nuvens de preocupação. São as crises económicas que afetam tantos povos e que o Homem, que já deveria ser capaz de as evitar, nem sequer sabe debelar. Valha-nos, como noutro local fazemos notar, a consolação de que neste pequeno País tais crises não penetram. É assim possível viver nele o Natal em relativa alegria, com fé num melhor provir, com a certeza de que são sólidas as estruturas”. Contudo, o país vivia o grave problema resultante da crise energética, em que sofria com a falta de petróleo, a limitação das deslocações e a inflação.
Atenta aos problemas dos que o rodeiam, “benevolamente” o jornal referia, com um forçado otimismo, que foi possível “folgar” no Natal de 1973 pois à sua volta já se notavam “muito menos carecidos de auxílio, quando topamos com pobreza que já não é bem pobreza, mas simples ausência de abastança. Os problemas dos nossos semelhantes já não são confundíveis e classificáveis ao nível da miséria, da fome e do medo”, referia. Os acontecimentos do 25 de Abril seguinte viriam a desmentir esta visão idílica.
Ainda assim, nas páginas interiores, dá nota da ação de solidariedade com os pobres, uma iniciativa do próprio jornal, que chegou a dezenas de famílias carenciadas. A campanha, denominada “Um bolo em cada lar”, previa a oferta de um bolo às famílias carenciadas do concelho, permitindo que “nesses lares haja ao menos algo doce a amenizar a tristeza de crianças e de idosos”. A entrega foi feita no Casino do Parque, seguindo-se a distribuição dos 50 bolos, neste ano pela primeira vez, por elementos da Paróquia das Caldas e das Conferências de S. Vicente de Paulo. “Até aqui um número muito reduzido de pessoas dos quadro diretivo e executivo deste periódico incumbiam-se de levar de porta em porta as ofertas dos nossos leitores”, referia a notícia, que lembrava que a campanha já contava com 13 anos.
Nesta edição é evocada a memória de José Vitorino Bernardo, um amigo do jornal e que acompanhou, como presidente da Junta de Freguesia das Caldas, a campanha desde a primeira hora. Também participam os leitores, inclusivamente do estrangeiro, que mandam donativos, e o comércio local, através do seu Grémio.
As centrais da edição são dedicadas ao Natal, com artigos, crónicas e poemas de colaboradores e assinantes. Mas na última página, também vinha inserto uma notícia “normal” dessa época, que era a morte, no caso por acidente, de um soldado em missão militar na ex-colónia de Angola, natural dos Vidais, à família de quem o jornal apresentava os “sentidos pêsames”. Pelo menos a partir do meio do ano seguinte, estas trágicas notícias deixaram de ter lugar.
A luta contínua pela subsistência
Ainda nessa edição, e tal como hoje, a Gazeta das Caldas, já sem a censura em vigor, dava conta do seu esforço de sobrevivência. Na primeira página do então “único bissemanário que se publica no distrito”, é referido que “este jornal que só para existir tanto se esforça – nem o imaginam os leitores – e que está ligado à sobrevivência por um fio, bem ténue, de boas vontades, oferece-se hoje e mais uma vez aos caldenses”. Um ano depois, na edição de 23 de dezembro de 1974, num artigo assinado pela comissão de redacção, refere que os jornais “debatem-se com problemas económicos devido ao aumento exagerado do preço do papel, bem como em certa medida ao justo aumento dos salários”. Como o jornal tem mantido os preços, vê-se obrigado a procurar receitas na publicidade, para equilibrar a vida da empresa, salvaguardando sempre a independência deste jornal, refere o artigo, que termina dando conta da transformação, para breve, da empresa em cooperativa, aberta a toda a população, o que viria a acontecer um mês depois.
Neste número especial de Natal, com 18 páginas, a redação assume que foi sua intenção dar-lhe um “cunho diferente e mais atuante dos anteriores, esquecendo um pouco o aspeto exterior ou de apresentação. Entre a riqueza da forma e do conteúdo, preocupámo-nos mais com a segunda”. Tendo em conta esta opção, inclui apenas um artigo sobre o Natal, na primeira página e optou por grandes reportagens e artigos da atualidade no restante jornal.
Ainda na primeira página, num artigo assinado por A.L., o autor reflete sobre o Natal e pergunta o que significa, afinal, o acontecimento que nestes dias se celebra. Recorre a partes do evangelho para concluir que o Natal nos impõe um “sério compromisso”, de nos “empenharmos, cristãos e não cristãos, na construção dum mundo do outro que responda à sede de justiça que nos devora (ou devia devorar)”. ■































