Já foi o Terreiro das Chocas e a Praça Hintze Ribeiro. Hoje em dia os caldenses usam várias designações – Praça 5 de Outubro, Praça do Peixe ou, simplesmente, “A Praça”.
Actualmente é conhecida por ser um espaço de diversão nocturna para os jovens caldenses, mas noutros tempos já foi lugar de mercado e de feira. Com quatro bares e cinco restaurantes, é no sector da hotelaria e lazer que a Praça 5 de Outubro tem o seu forte, mas há também comércio e serviços. Diversificadas são também as pessoas que ali se podem encontrar.
Gazeta das Caldas falou com proprietários de estabelecimentos, clientes e moradores desta praça, de forma a fazer um retrato deste marco histórico que tantas alterações sofreu ao longo dos anos.
Uma praça menos animada
O parque de estacionamento subterrâneo da Praça 5 de Outubro foi inaugurado a 15 de Maio de 2005. Esta data marcou o início do funcionamento da praça requalificada, dando um novo alento a um espaço que já se degradava desde há alguns anos. “A nível de vida nocturna houve um ‘boom’ no primeiro Verão em que a praça abriu”, conta Paulo Mendes, proprietário do bar 120. De facto, as coisas mudaram desde a requalificação.
Também David Moniz, do Daiquiri, diz que “durante o Verão passei a ter mais clientes, mas de Inverno tenho os mesmos que antes. O tipo de clientes também mudou, porque a praça tem mais pessoas”.
Estes são dois bares que já existiam antes da construção do estacionamento subterrâneo e o seu volume de negócio aumentou desde esse período. As razões? Existência de estacionamento, ausência de trânsito, centralidade, espaço propício ao convívio e potencial para organização de eventos são os factores que os proprietários mais apontam.
Mas há problemas que preocupam estes empresários quanto ao futuro da praça. Helena Fernandes, que explorou o quiosque central na Praça e tem agora o bar Dejá Vú, diz que “antigamente havia no Verão bandas a tocar e inúmeras festas com nomes e temas diferentes, mas com o tempo foi tudo por água abaixo”.
É quase consensual entre proprietários, clientes e moradores da praça que o espaço sofre pela falta de eventos, pelo menos ao fim-de-semana. “Quando houve animação de rua, mesmo nos meses de Verão, houve mais gente na praça”, conta David Moniz. Esta escassez de eventos, segundo os proprietários, tem levado muita gente que frequentava a praça a escolher outras localidades para sair à noite.
A nível de cooperação entre os vários estabelecimentos, há quem admita que isso pudesse trazer de volta alguns eventos à praça. “Se fossemos mais unidos, podíamos fazer mais coisas, mas o meu bar está sempre aberto a iniciativas”, explica Helena Fernandes.
O policiamento é outra das questões que preocupa não só os proprietários, mas também os moradores. “As rondas policiais são importantes, nomeadamente à quinta-feira e ao fim-de-semana”, diz Luís Ribeiro, morador na Praça 5 de Outubro e presidente da Assembleia Municipal. Junto de proprietários e moradores não parece haver uma grande inquietação com potenciais problemas, mas como diz David Moniz, “o importante é o sentimento de segurança que se deve ter”.
E como se trata de vida nocturna, existe sempre o problema dos excessos. Mas será que são os bares responsáveis pelos problemas que por vezes o álcool traz à Praça 5 de Outubro? “Muitas pessoas vêm à praça consumir até cair para o lado, mas os preços não são convidativos a isso”, explica Sónia Nunes, proprietária do café Real Sabor. Aliás, muitas vezes acontece o que diz Henrique Santos, proprietário da Pizzaria Piazza: “algumas pessoas não estão na praça a consumir, mas trazem bebida do supermercado”. Nestas alturas a praça é, infelizmente, um ponto de encontro não só de pessoas, mas também de problemas.
Os moradores e a vida nocturna
Além dos bares e restaurantes, há também residentes na Praça 5 de Outubro. Alguns preferem o local pela centralidade, o que faz com que não precisem de utilizar transportes para se deslocar durante o dia, e outros, toda a vida viveram ali.
Luís Ribeiro, vive na Praça 5 de Outubro desde 2000. “Eu e a minha esposa viemos para cá porque não precisávamos de carro para nos deslocarmos e os nossos filhos podiam ir para a escola a pé”, conta. O caso de Pedro Marques, director executivo do Condomínio D. Dinis, é um pouco diferente. Com 42 anos, viveu a sua infância e juventude na praça, até que saiu de casa dos pais para morar no prédio ao lado. “Eu gosto de viver no meio da cidade”, conta.
Mas a localização central acarreta a necessidade de convivência com o movimento e o ruído, especialmente porque existe vida nocturna. “Estou habituado ao ruído porque sempre houve movimento – se não eram os bares era o mercado do peixe ou os vendedores ambulantes”, afirma Pedro Marques, que já foi também empresário da noite. No que diz respeito à animação, os moradores não são contra, desde que se respeitem limites. “Quando usam colunas de som chega a incomodar, mas acho bem que essas coisas tenham vindo a parar à meia-noite”, diz Luís Ribeiro. Outra regra defendida pelos moradores é a distinção os dias úteis e as sextas e sábados (dias em que se aceitam facilmente horários mais tardios). Até Hermínio Oliveira, que com 85 anos é um dos moradores mais antigos da praça, acha que, tirando a “perturbação de rapazes a conversar até às quatro horas da manhã”, o ruído não o incomoda assim tanto.
A questão que mais preocupa os moradores não é a animação, mas sim a segurança. Há alguns anos, o prédio onde Luís Ribeiro reside tinha uma porta de entrada recuada, com um hall, o que permitia que algumas pessoas se abrigassem dentro do prédio. Como os moradores suspeitavam de actividades ilícitas e verificaram que alguns dos ocupantes praticavam excessos, decidiram colocar uma porta à entrada desse hall. “Podia haver mais policiamento e mais tarde, porque muitas vezes o barulho é pior depois de os bares fecharem”, lamenta Pedro Marques.
No embelezamento há também problemas que os moradores, e não só, desejam ver resolvidos. “O grafitti fica feio no espaço que precisa de ser recuperado – podem haver outros espaços mais adequados do que a praça para o grafitti organizado”, afirma Luís Ribeiro.
Celeste Agostinho, do restaurante “A Mimosa”, acha que se houvesse mais cuidado com o embelezamento, por exemplo, ao recuperar as floreiras vandalizadas, o seu negócio podia melhorar. Mas outras pessoas vão mais longe e culpam antes a falta de civismo. “Em Portugal pode-se fazer muita coisa, mas sem segurança as coisas que andam por aí são para estragar”, diz Henrique Santos, proprietário da Pizzaria Piazza.
Estudantes diferentes com hábitos iguais
Por ser um espaço de diversão nocturna e de convívio de jovens, são os estudantes aqueles que mais se vêem nas esplanadas da Praça 5 de Outubro. Mas então porque frequentam os jovens caldenses a praça? “Gosto do convívio, do bom ambiente nos bares e dos laços de amizade que se criam entre alguns amigos”, explica Ricardo Rocha, um jovem caldense estudante do ensino superior em Lisboa. Ele, tal como muitos outros, frequenta a praça aos fins-de-semana, quando vem a casa.
Mas nas Caldas da Rainha há também os que só estão na cidade durante a semana – os estudantes da ESAD que vêm de outras zonas do país. É o caso de Carolina Caetano. Esta lisboeta, de 21 anos, diz que a praça “é onde está toda a gente e é o sítio que reúne o maior número de estabelecimentos numa área menor”.
Nos dias de semana, a afluência de pessoas à praça é muito menor que ao fim-de-semana. Um dos problemas apontados pela maioria dos proprietários dos estabelecimentos é a falta de eventos na Praça 5 de Outubro. Mas Ricardo Rocha vê outra solução para o problema da falta de ‘vida’ na cidade para os estudantes deslocados. “Sei que eles têm uma enorme capacidade de criarem formas e eventos sem precisarem de muito. Eu próprio já estive em alguns e acho que a criatividade deles podia ser usada na cidade”, sugere o estudante caldense.
Deslocados ou não, as características positivas que os estudantes vêm na praça são semelhantes – espaço exterior amplo, boas esplanadas e convívio. Mas os estudantes também se mostram preocupados com alguns aspectos negativos que acham que podiam ser melhorados, entre os quais a falta de animação, a vulnerabilidade ao clima, ou a falta de espaço interior e diversidade dos bares.
Atractividade precisa-se
Com o movimento da Praça 5 de Outubro em declínio, a questão dos factores de atractividade impõe-se para este espaço. Como trazer mais pessoas? Como melhorar os serviços?
“Desde a requalificação da praça que a minha actividade ficou muito morta – perdi clientes que nunca mais recuperei”, lamenta Américo Feliciano, proprietário do restaurante “Capelinha do Monte”. Embora considere a intervenção feita na Praça 5 de Outubro em 2005 benéfica para acabar com alguns problemas de mau ambiente e aspecto do espaço, Américo Feliciano vê que negócios como o seu não saíram beneficiados. Foi na alteração do trânsito que o seu restaurante perdeu grande parte dos clientes, e pensa que as obras podiam ter sido feitas a pensar também em negócios como o seu. “Penso que se devia tentar dar outra vida aos outros negócios – deixarem-nos fazer uma espécie de churrasco ou sardinhada, por exemplo, mas talvez o fumo incomode as pessoas”, sugere Américo Feliciano.
Uma das sugestões apontadas por Américo Feliciano é que se tente atrair pessoas de faixas etárias diferentes. Com um mercado de diversão nocturna vocacionado para um público jovem, há falta de gente mais adulta.
E Pedro Marques sugere também que a praça seja frequentada por “um público mais infantil”. Os serviços âncora são também uma forma de atrair pessoas, que agrada a alguns. “O posto de turismo podia ser aqui em vez de perto da Câmara. Como este sítio tem muitos bares, isso chamaria mais pessoas”, diz Henrique Santos, que sugere ainda uma oferta mais diversificada da restauração na Praça 5 de Outubro. O restaurante de gama alta Sabores D’Itália já se insere nesta diversificação. O proprietário, Norberto Marcelino, defende outros negócios complementares na praça para que a praça tenha todo o tipo de pessoas.
Quanto a espaços concorrentes, as opiniões dividem-se. Da perspectiva dos proprietários, não existe mercado para outro espaço semelhante à Praça 5 de Outubro, com a mesma vocação nocturna. Já os utilizadores e moradores da praça abrem um pouco essa possibilidade. “Desde que feitos com pés e cabeça, espaços para animar as Caldas da Rainha são bons, pois a cidade é virada para o turismo e para a educação”, sugere Luís Ribeiro. Pedro Santos, estudante caldense da área do turismo no Estoril, sente falta de um espaço diferente da praça para sair à noite. “Falta um espaço que consiga, tal como acontece na praça, juntar os estabelecimentos e todos os outros pontos de interesse necessários para criar fluxos de pessoas e concorrer com a praça”, diz.
Ideias em cima da mesa
Não são apenas os moradores, proprietários e frequentadores da praça que reconhecem ser necessárias algumas intervenções neste espaço. Apesar de não ter ainda nenhum projecto aprovado, a Câmara Municipal tem em estudo algumas ideias que visam recuperar o espaço da antiga praça do peixe. “Não queremos fazer uma alteração de fundo na praça, mas sim adaptar uma obra, que é relativamente recente, ao funcionamento actual”, explica o vereador Hugo Oliveira.
Um dos projectos em apreciação é a elevação do auditório central ao nível do solo. Inicialmente previsto para acolher vários espectáculos, não teve o grau de utilização previsto. “Nem toda a gente vê o que se passa no auditório, especialmente quem está nas esplanadas”, lamenta Paulo Mendes, proprietário do bar 120. Outra das obras pensadas é uma ligação física das esplanadas aos bares, com a possibilidade de um corredor de segurança junto às floreiras, mas do lado interior da praça, oposto aos que existem actualmente.
Ainda segundo o vereador Hugo Oliveira, outras das intervenções em cima da mesa envolvem alterações ao espaço verde em frente aos bares Daiquiri e Dejá Vú, manutenção do piso da praça devido a infiltrações e maior quantidade de mobiliário urbano.
Do Terreiro das Chocas à Praça 5 de Outubro
Nos finais do século XIX, Rodrigo Maria Berquó era administrador do Hospital Termal. Realizou obras importantes como o Parque D. Carlos I, o céu de vidro e os pavilhões do parque. Foi presidente da Câmara de Caldas da Rainha durante um ano, período em que planeou a urbanização do Terreiro das Chocas. O local da actual Praça 5 de Outubro tinha este nome por ser um espaço de terra batida onde por vezes passavam chocas – as vacas que acompanham touros. Mas para se perceber a evolução da praça é necessário contar a história de outro marco das Caldas da Rainha – o Teatro Pinheiro Chagas.
Durante o período em que foi presidente da Câmara, Berquó projectou o alargamento da Rua de Camões, que era muito mais estreita que hoje em dia. Sendo uma rua central, que para quem viesse de Lisboa era a mais directa para o Hospital Termal, as obras eram necessárias. Porém, as obras implicavam intervir no Parque D. Carlos I, especialmente no Teatro Pinheiro Chagas, que na altura era propriedade da Sociedade Dramática Caldense. A Câmara decidiu oferecer o terreno do terreiro ao grupo teatral, para que este lá pudesse relocalizar a casa de espectáculos. Contudo, a Sociedade Dramática Caldense não tinha dinheiro para a construção. Esta situação levou a um novo acordo – o grupo teatral ficava com uma parte do lado Sul do Terreiro das Chocas, necessária para a construção do Pinheiro Chagas, e cedia o restante terreno novamente à Câmara, para que esta financiasse a construção.
Berquó morreu em 1896, mas a sua obra não deixou de ser concluída – a urbanização da Praça 5 de Outubro iria começar em 1897 e ser inaugurada a Setembro de 1901 (com o nome Praça Nova), e com ela o icónico Teatro Pinheiro Chagas.
Hermínio Oliveira recorda os tempos em que “de uma ponta à outra, até à rua da feira, era só peixe”. O local sofreu imensas transformações até aos dias de hoje, a começar pelo nome. De Praça Nova passou a Praça Hintze Ribeiro, e mais tarde Praça 5 de Outubro, nome que ainda conserva.
Óscar Morgado
omorgado@gazetadascaldas.pt






























