Luís Nuno Rodrigues é o diretor convidado desta edição que assinala os 50 anos da Revolução dos Cravos e que deu mote também à entrevista. Para o historiador, o 25 de Abril é a mais importante data da história contemporânea portuguesa
É o diretor convidado da Gazeta das Caldas na edição dos 50 anos do 25 de Abril. Qual a sua relação pessoal e familiar com este jornal? E com a região?
É uma relação muito forte. Nasci e vivi nas Caldas da Rainha até aos tempos da faculdade e a Gazeta das Caldas era leitura habitual em minha casa. Desde que me lembro que os meus pais eram assinantes e, por conseguinte, habituei-me todas as semanas a olhar para a Gazeta, a ler as notícias e os artigos de opinião, a acompanhar mais de perto a vida política e social da cidade através das suas páginas. Da cidade e da região, uma vez que a sua cobertura noticiosa extravasava os limites da cidade. A minha relação pessoal com a cidade e a região é uma relação pessoal e afetiva, claro, por aí ter crescido e vivido uma parte importante da minha vida.
Continua a acompanhar a atualidade local através da Gazeta?
Sim, continuo a ser um leitor atento da Gazeta, quer através da internet, quer na versão em papel quando aos fins de semana visito a família nas Caldas. Penso que é um jornal de grande qualidade, que soube evoluir e diversificar conteúdos, sem perder a sua identidade e as suas raízes.
Qual o significado de ser convidado nesta data?
Foi um convite que recebi com grande entusiasmo pela minha ligação às Caldas da Rainha e à própria Gazeta, cuja história tive oportunidade de estudar num dos meus primeiros trabalhos de investigação. Mas, além disso, pela importância e pelo simbolismo da data. O 25 de abril de 1974 foi, porventura, a data mais importante da História contemporânea portuguesa, pelas transformações políticas e sociais que trouxe a Portugal. Por conseguinte, poder contribuir para um número da Gazeta das Caldas em data tão especial, os 50 anos do 25 de abril de 1974, tem esse duplo significado e o convite foi muito honroso para mim.
Na sua juventude estudou este jornal. O que recorda desses tempos?
Foi um dos primeiros trabalhos que desenvolvi enquanto investigador, tendo na altura a preocupação de estudar as relações entre a imprensa e o poder local. Não era um tema que tivesse sido estudado para muitas outras cidades ou regiões, mas procurei desde sempre fazê-lo numa perspetiva que não fosse exclusivamente localista mas que permitisse também extrair algumas conclusões para o nível nacional. O jornal foi criado em 1925, num contexto muito específico, nos anos finais da I República, em que se verificou uma forte dinâmica regionalista em várias localidades do país. Por outro lado, surgiu também como importante instrumento de apoio a uma geração de caldenses apostada no desenvolvimento da então Vila e na sua ascensão a Cidade, o que se viria a verificar cerca de dois anos depois da fundação da Gazeta. Recordo-me de ter desenvolvido parte da investigação na antiga biblioteca situada no Parque, que tinha uma excelente coleção de números antigos da Gazeta, e de ter também recorrido ao próprio arquivo da Gazeta, na sua sede antiga, junto à Avenida.
Investigador e docente universitário em História Contemporânea, qual a importância da comunicação social para o garante da democracia?
Tem uma importância fundamental. A imprensa é frequentemente referida como o quarto poder, devido ao seu papel nas sociedades democráticas contemporâneas. E isto deriva não apenas do seu impacto junto da opinião pública, mas também do papel que sempre deveria ter de acompanhar o exercício do poder político, de denunciar situações menos corretas, mas também de identificar e apoiar causas que as sociedades contemporâneas devem abraçar. Além disso, é necessário um rigor muito grande com o que se escreve e estar atento a notícias e factos que são veiculados sem corresponderem efectivamente à realidade. Nas sociedades contemporâneas a imprensa deverá ser o último reduto da verificação dos factos, o chamado “fact checking”.
E a imprensa regional tem um papel relevante nesse aspeto?
Tem de ter necessariamente. A imprensa local dá-nos um retrato do país que, por vezes, escapa à imprensa de circulação nacional. Pela sua proximidade às populações, dá-nos conta dos seus anseios, das suas alegrias e também das suas frustrações, num país que, pelas suas características demográficas e sociais, tende cada vez mais a estar concentrado nas grandes cidades.
Onde estava no 25 de Abril de 1974? Como viveu esse dia?
Tinha apenas cinco anos no 25 de abril, por isso não guardo memórias diretas desse dia, mas apenas as que fui ouvindo a família contar: um telefonema de manhã cedo avisando que algo se estava a passar, a incerteza inicial sobre quem seriam os protagonistas. Depois alguma expectativa ao longo do dia e uma grande alegria no final. Já me recordo melhor dos anos seguintes e do meu fascínio pelos emblemas dos partidos políticos, que recortava cuidadosamente dos jornais e revistas e colava num caderno como se fossem cromos. E, claro, de ir acompanhando a atividade política nacional e local, tanto quanto uma criança de 6, 7 anos o pode fazer. Mas a política era sempre tema de conversa em família e os telejornais eram seguidos sempre com muita atenção.
Tem estudado de perto a História Portuguesa e alguns dos principais protagonistas na Revolução de 1974. Como entende este fenómeno? Acha que a Revolução do 25 de Abril era inevitável?
Os historiadores têm sempre relutância em utilizar esse conceito de “inevitabilidade” na história, que pode remeter para uma perspetiva teleológica, isto é, como se o fim já estivesse determinado à partida. Isso pode retirar algum sentido de agência e de protagonismo aos atores históricos. De qualquer modo, existiam desenvolvimentos que apontavam claramente para o esgotamento do regime ditatorial: os 13 anos das guerras coloniais e a evidente insatisfação no seio das forças armadas; a crescente politização da opinião pública, sobretudo das gerações mais jovens, forjadas nas lutas universitárias da década de 1960; a posição crítica assumida, por exemplo, pelos sectores católicos progressistas. Depois, temos a crise final do regime, já em 1973 e 1974, precipitada pela organização do Movimento dos Capitães e também pela demissão dos dois oficiais generais em rota de colisão com Marcelo Caetano: António de Spínola e Costa Gomes.
Que ensinamentos tirou dos 50 anos da Democracia Portuguesa e como entende o atual momento com o crescendo dos movimentos populistas? Uma das razões apontadas é o descrédito dos cidadãos em relação aos partidos políticos tradicionais. Corrobora desta opinião?
A democracia trouxe a Portugal desenvolvimentos inegáveis, sob todos os aspectos: a nível político, económico, social, cultural. Basta compararmos os grandes indicadores nestas diversas áreas e perceber como o país era atrasado em 1974 e todo o percurso feito desde então. Hoje em dia, o crescimento dos movimentos e dos partidos populistas de extrema-direita é um fenómeno preocupante, uma vez que muitos deles têm avançado com propostas iliberais e que, de alguma maneira, podem comprometer a qualidade e até o exercício da democracia.
É um fenómeno que chegou a Portugal mais recentemente, mas que se tem verificado noutros países europeus e também nos EUA e no Brasil.
É importante prosseguir na pedagogia democrática, é importante que os democratas voltem a abraçar causas e sobretudo que as gerações mais jovens percebam bem as diferenças entre viver em sociedades abertas, democráticas e tolerantes e viver em sociedades com governos que não prezam a democracia e que propagam o discurso de ódio e da intolerância e até o retrocesso em determinadas conquistas sociais importantes.
Estudou os marechais Costa Gomes e Spínola, figuras centrais num momento crucial da Revolução Portuguesa. Que papel desempenhou cada um deles na concretização da Democracia em Portugal?
Nenhum deles desempenhou um papel decisivo na preparação do golpe militar propriamente dito, embora mantivessem contactos regulares com o movimento dos capitães, sobretudo depois do seu afastamento por Marcelo Caetano.
No caso de Spínola assumiu protagonismo no próprio dia 25 de abril, uma vez que foi ele a receber o poder das mãos de Marcelo Caetano, passando a liderar a chamada Junta de Salvação Nacional. A sua ação nos anos seguintes, porém, não seria especialmente benéfica para a concretização da democracia. Spínola embarcou num projeto de centralização pessoal do poder, procurando eliminar a influência dos partidos políticos e adiar a realização de eleições para a Assembleia Constituinte. Acabaria por se demitir na sequência dos acontecimentos do 28 de setembro de 1974 e da sua tentativa frustrada de convocar a célebre manifestação da “maioria silenciosa”.
Costa Gomes sucedeu a Spínola e o seu papel mais relevante foi desempenhado já em 1975. Nessa altura, uma vez realizadas as eleições para Assembleia Constituinte e tendo o PS e o PPD obtido os melhores resultados, houve grande pressão sobre o Presidente para que afastasse Vasco Gonçalves da liderança dos sucessivos governos provisórios, algo que sucederia apenas em agosto de 1975 e que lhe mereceu fortes críticas. Mas Costa Gomes teria um papel decisivo nos meses seguintes, inclusivé no 25 de novembro de 1975, no sentido de evitar uma escalada ainda maior das tensões e uma eventual guerra civil em Portugal.
À luz da sua leitura dos acontecimentos que levaram ao desencadear do 25 de Abril qual a importância que dá ao 16 de Março do RI5?
O 16 de março foi um momento fundamental na fase final da ditadura de Marcelo Caetano. Uma prova de que o regime se encontrava numa posição muito fragilizada com o desenvolvimento do movimento dos capitães e com a demissão de Spínola e Costa Gomes e, claro, com a contestação generalizada ao regime.
Foi também uma indicação clara de que dentro do MFA existiam já divisões e setores diferenciados, tendo neste caso sido o setor “Spinolista” do MFA a avançar, embora sem sucesso.
Os implicados foram presos e só seriam libertados, semanas depois, no decurso do 25 de abril de 1974. ■
Perfil:

Luís Nuno Rodrigues
Professor universitário
Luís Nuno Rodrigues, de 55 anos, é professor Catedrático no Departamento de História do ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa.
O investigador doutorou-se em História Americana na Universidade do Wisconsin (localizada em Madison, no estado de Wisconsin, nos EUA) e é professor no ISCTE desde 1999.
O investigador tem lecionado nas áreas da História de Portugal no século XX, História da Guerra Fria e História dos Estados Unidos.
Luís Nuno Rodrigues foi diretor do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE entre os anos de 2016 e 2022.
Atualmente dirige o mestrado e o doutoramento em Estudos Internacionais na mesma instituição.
O caldense é autor de diversas obras sobre a História de Portugal, entre as quais se conta com os livros “Salazar-Kennedy: a crise de uma aliança” e ainda “Spínola”. ■






























