A comunidade ucraniana imigrante está, naturalmente, preocupada com a iminência de uma guerra no seu país. Uma guerra que ninguém deseja e que atribuem à vontade dos dirigentes políticos e não dos povos russo e ucraniano. E assinalam que as notícias veiculadas na Rússia e na Ucrânia são muito diferentes das que passam no Ocidente.
Com a ocupação da Crimeia pelas tropas russas a situação naquela zona do globo é tendencialmente explosiva, tendo em conta sobretudo que não se trata de um conflito regional pois envolve alianças à escala global com as maiores potência do mundo.
“Sinto o coração a romper-se de ansiedade pelo que vai acontecer no futuro. Ainda por cima vou à Ucrânia dentro de uma semana porque a minha mãe vai fazer 85 anos e não sei como aquilo vai estar”. Mariya Starchenko, representante nas Caldas da Rainha da Associação dos Ucranianos de Portugal, diz que “nunca pensei que o país vizinho [Rússia] pudesse ser tão agressivo com a Ucrânia”.
“A Crimeia tem muitas pessoas que falam russo, mas são cidadãos ucranianos e de qualquer forma aquele território pertence ao nosso país”, diz, referindo-se ao conflito latente, que pode degenerar numa guerra. “Estou muito preocupada. Nunca nos passou pela cabeça que pudesse acontecer uma coisa destas. O povo ucraniano não quer esta guerra”.
O irmão de Mariya Starchenko vive na Rússia, bem como um seu primo direito. Em Portugal, o colega de trabalho do seu marido também é russo. Para esta imigrante, há 12 anos em Portugal, os russos não são inimigos. Nas Caldas da Rainha, apesar de haver poucos russos, as duas comunidades dão-se bem porque partilham origens geográfica e culturais comuns.
“Eu nasci no Oeste da Ucrânia, mas casei com um rapaz do Leste e vivi lá até vir para Portugal”, conta. Por isso não sente animosidade contar o povo russo. “Os russos cá compreendem a nossa situação e têm a mente um bocadinho diferente dos que vivem na Rússia pois em Portugal a informação é livre enquanto que na Rússia é só propaganda que consegue lavar a mente das pessoas”, conclui.
Na Ucrânia, além do russo fala-se também moldavo, romeno, húngaro, polaco, búlgaro e turco, mas a língua unificadora é o ucraniano.
Um disparate enorme
Yaroslava Pernay diz que tudo isto lhe parece “um disparate enorme!” quando comenta o que está a acontecer no seu país. “Eu até nem desgostava do Putin, achava que ele era um político forte, mas desde a última semana deixei de gostar dele”, contou.
Esta ucraniana, de 33 anos e a viver em Portugal há 13 (os últimos seis nas Caldas da Rainha), diz que a sua família está bem e que não há grande motivo de preocupação porque a sua mãe vive em Chernivici, a 500 quilómetros a oeste de Kiev, perto da fronteira com a Moldávia, numa região que fica no extremo oposto ao do conflito. “É um disparate enorme”, repete. E questionada sobre se pensa que haverá mesmo guerra, responde “eu quero pensar que não”.
“Na minha região 70% da população fala moldavo ou romeno e nem por isso a Roménia ameaça ocupar o território”, diz, insurgindo-se contra as pretensões de Putin em ocupar a zona leste da Ucrânia para alegadamente defender uma zona russófona.
Yaroslava Pernay conta que tem acompanhado a situação pela televisão, através de canais portugueses, espanhóis, ucranianos e russos. “Todos dão as mesmas imagens, mas aquilo que dizem é diferente”, assinala.
Ainda assim, a percepção do conflito não é igual para todos os ucranianos emigrados em Portugal. Yaroslava conta que, devido a divergências, uma amiga ucraniana já bloqueou cerca de 30 amigos no Facebook.
Nós queremos a União Europeia
Ihor Antonyshyn tem 50 anos e vive há 13 em Portugal. É empresário e tem uma firma de limpeza de matas e florestas. Natural de Lviv, onde tem parte da família, a escassos 80 quilómetros da fronteira com a Polónia, este ucraniano residente em Alfeizerão mostra-se um europeísta convicto, sentimento que ele diz ser partilhado pela maioria dos ucranianos. “Nós queremos a União Europeia porque muitos de nós estamos a trabalhar na França, Espanha, Itália, Áustria e Portugal”, diz.
O seu discurso é contra os políticos e contra Putin. “Os políticos na Rússia não falam verdade, não dizem a verdade na televisão e na rádios e dizem mal da Ucrânia”, remata.
As notícias são muito diferentes
Já Volodymyr Rozhentsov, também de 50 anos, tem a sua família precisamente no extremo oposto da Ucrânia e no meio do conflito. A sua filha e as suas netas vivem perto de Feodosiya, em plena península da Crimeia.
Volodymyr Rozhentsov diz que fala diariamente com elas através do Skyp e que, por enquanto, está tudo bem, mas que vivem todos muito preocupados. E acentua também a divergência entre os media de lá e os do Ocidente. “O que a minha filha diz das notícias de lá é muito diferente das que nós ouvimos cá porque a informação da Rússia não está verdadeira”, conta.
Desempregado, e a residir também em Alfeizerão, este ucraniano diz que tem muitos amigos russos e que a sua irmã mora na Rússia. “Eu gosto dos ucranianos e gosto dos russos. Só não gosto quando eles ameaçam com guerra”.
Putin pensa
que é o rei da Rússia
Mariya Ryakova veio da parte ocidental da Ucrânia, mas não deixa de estar preocupada com a sua filha, genro e dois netos que vivem em Ternopil, perto da Polónia. A sua indignação é contra o presidente russo, Vladimir Putin. “Se ele for inteligente e tiver memória não vai fazer a guerra. Só que ele pensa que é o rei da Rússia”, diz.
Porquê a importância da memória? Porque quando a Ucrânia se tornou independente e aceitou desmantelar o arsenal nuclear construído durante o período da União Soviética, a Rússia acordou com os Estados Unidos, a NATO e a Europa que respeitaria as fronteiras da Ucrânia e que não provocaria nenhuma guerra. Contudo, não é isso que está a acontecer.
Mariya Ryakova (que tem 54 anos e vive há 13 em Portugal) também é da opinião que a culpa desta tensão é dos dirigentes políticos porque na Ucrânia vivem ortodoxos, católicos e muçulmanos e toda a gente sempre se respeitou. “O pai do meu marido tem uma casa na Crimeia e nós vimos lá que tínhamos vizinhos tártaros, bielorrussos e russos e ninguém fazia mal”, conta.
Temente de uma invasão russa, não deixa de apontar o dedo aquela potência. “Quando estivemos no tempo da União Soviética fizeram-nos mal, mas quando ficámos sozinhos com a nossa terra continuámos pobres e por isso viemos para cá [Portugal] para ajudar o nosso país e as nossas famílias”.
Carlos Cipriano
cc@gazetadascaldas.pt
































