“Ainda sonho com a possibilidade de Óbidos e Caldas da Rainha se posicionarem como um bloco” – a síntese do debate organizado pela Gazeta das Caldas no CCC

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A necessidade de união dos concelhos das Caldas da Rainha e Óbidos para a resolução de alguns problemas comuns e aproveitamento de sinergias para a elaboração de projectos futuros foi a grande conclusão do colóquio, promovido pela Gazeta das Caldas, no passado dia 8 de Março no CCC.
“Pequenas Cidades, Grandes Ideias”, foi o mote lançado aos oradores: os caldenses e historiadores João Serra e Telmo Faria, que deram a sua perspectiva de território e defenderam a necessidade de promover mais a participação das comunidades.
Perante uma plateia de mais de 100 pessoas, o presidente da Fundação Cidade de Guimarães, falou também da necessidade de se reforçar a confiança, que disse ser um “elemento decisivo da vida social e política”. O ex-presidente da Câmara de Óbidos considera que é necessário “imaginar a cidade” para lhe dar um futuro sustentável, nomeadamente com a existência de uma estrutura de apoio especializado junto dos decisores autárquicos.
Tratou-se de um debate “crucial no momento presente”, como referiu o director da Gazeta das Caldas, José Luís de Almeida e Silva, em que o mundo tem que encontrar soluções perante um cenário de crise generalizada. Um assunto que em Portugal “ninguém quer discutir” mas que cujas sementes têm que ser lançadas, com a participação de todos os agentes e integração em redes europeias para partilha de experiencias e recursos.
“Deve-se repensar a economia pelos territórios e em função deles”, defendeu José Luís de Almeida e Silva.

“Não há nenhuma separação histórica entre Caldas da Rainha e Óbidos, há um momento em que boa parte da população de Óbidos se fixou a cinco quilómetros, nas Caldas”. A explicação foi dada por João Serra, que informou que as barreiras entre os dois concelhos foram criadas ao longo do século XX, pelos responsáveis políticos, nomeadamente colocando na estrada que une as duas localidades “o pior que cada um podia encontrar para lá pôr”. Para alem disso, autorizaram que se fizesse uma A8 que passou por cima de património histórico [cidade romana de Eburobrittium] e “desacautelou a visão integrada do território”, disse.
A solução para remediar este erro passa, de acordo com o historiador, por se fazer agora o inverso. “Existe uma instituição que está colocada na fronteira entre as Caldas e Óbidos, a ESAD, que devia ser vista pelas duas câmaras como um corredor que unisse os dois centros históricos”, exemplificou.
Também o ex-presidente da Câmara de Óbidos, Telmo Faria, defendeu a união dos dois municípios na resolução de problemas comuns, tanto ao nível das águas como dos equipamentos. “Ainda sonho com a possibilidade de Óbidos e Caldas da Rainha se posicionarem como um bloco”, disse, acrescentando que actualmente existe a vantagem dos dois líderes autárquicos desejarem, também eles, que isso aconteça. Telmo Faria deixou o desafio para que as Caldas apareça juntamente com o município vizinho nas redes de experimentação e realça que é fundamental dar sinal disso publicamente.
No entanto, o ex-autarca vai mas longe e fala na necessidade de um modelo de governança que englobe também os concelhos vizinhos de Peniche e Nazaré, aliando os recursos do mar e das ondas.
Também presente no colóquio, o presidente da Câmara de Peniche, António José Correia, aceitou o repto e disse mesmo que este é o momento de participar em programas europeus e aproveitar os apoios financeiros, que têm tido uma “envergonhadíssima taxa de aproveitamento por parte das comunidades”.
O autarca considera que a escala das cidades criativas deve ser sub-regional e lembrou que o programa de acção que está a ser realizado para o Oeste tem como prioridade os domínios do mar, turismo e agro-alimentar.
António José Correia falou ainda na importância da participação para dar legitimidade aos projectos.
Confrontado com o exercício de cidadania de Edgar Ximenes, da união das Caldas e Óbidos no que denominou Município das Terras da Rainha, Telmo Faria alertou para o facto de não se poder ver esta aliança das autarquias como se de uma fusão de empresas se tratasse. “Estamos a falar de identidades territoriais que podem, a partir das duas estruturas de comando, administrativas e de poder, construir uma agenda comum”, disse, acrescentando que é importante haver autonomia para a escolha.
Também o presidente da Câmara de Óbidos, Humberto Marques, mostrou ter uma visão integrada do território e que gostaria que Óbidos e Caldas “estivessem unidos numa agenda maior”, sob pena de continuar a ver o pêndulo económico de pessoas e bens a circular entre Lisboa e Coimbra ou Lisboa e Porto.
O autarca lembrou o compromisso eleitoral de terem uma agenda conjunta e garante que a estão trabalhar num plano de objectivos e metas para as questões das águas, da mobilidade, da cultura e eventos.
Os técnicos dos dois municípios já estão a trabalhar na possibilidade de articulação dos transportes municipais e há a intenção de reinventar a rede museológica que existe neste território.
A posição foi corroborada pela vereadora caldenses Maria da Conceição Pereira, que disse que hoje em dia “não há fronteiras” e que os municípios  têm que pensar no território “de forma mais alargada”.
“Espero que nas Caldas e Óbidos sejamos capazes de dizer que conseguimos construir uma região de sonho e de futuro”, concluiu.

Necessidade de imaginar a cidade

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Para Telmo Feria há a necessidade dos responsáveis imaginar a cidade. O ex-presidente da Câmara de Óbidos partilhou que desde que deixou o executivo tem tido mais tempo para reflectir sobre estas questões tem procurado qual o mapa das cidades inovadoras no país. Defendeu que as duas maiores agendas da sociedade contemporânea são as da economia criativa e a do baixo carbono e sustentabilidade e considera que é necessário repensar a economia, desde as actividades tradicionais até às mais recentes, fruto do desenvolvimento tecnológico.
De acordo com orador há uma preocupação, por parte do governo, em perceber como é que o poder local “pode fazer mais nas questões da competitividade económica”, tendo integrado um grupo de trabalho que faz esta ligação às autarquias, ajudando as agendas locais a ligarem-se mais às questões de desenvolvimento económico.
Telmo Faria falou também do projecto em que está a participar e que procura “pôr de pé” uma rede de cidades criativas e inovadoras em Portugal e que esta possa ser “encaixada” nos instrumentos financeiros, permitindo a criação de uma atmosfera criativa nessas cidades. “Estamos a falar de cidades, partidos políticos e modelos de governação distintas, onde se concentrem as actividades de maior vanguarda e os recursos e que essa rede possa servir como piloto, e puxar pelos territórios mais próximos que estão à sua volta”, disse.
O também empresário reconheceu que o país tem sido fértil em planos estratégicos, mas que o resultado não correspondeu a uma mudança da agenda e, sobretudo, a resultados que resolvessem problemas actuais como a falta de emprego, a qualificação da juventude e incapacidade de gerar novos negócios e empresas através do sistema de ensino. Falou ainda da necessidade de repensar os modelos pedagógicos, assim como da necessidade de apostar no empreendedorismo criativo e, acima de tudo na convergência criativa, que junta a inovação com o aparelho económico.
Referindo-se ao caso concreto de Óbidos, destacou que este atingiu um “posicionamento internacional muito interessante”, em que depois de ter participado na rede Urbact – que juntou cidades europeias de baixa densidade – foi agora convidado para integrar a rede Creative Spin, que integra 10 cidades europeias, entre elas  Tallin (Estónia), que foi capital europeia da cultura em 2011. “Estas redes servem para aprendermos uns com os outros”, disse, explicando que o grande mote da Creative Spin é como fazer chegar a inovação às actividades tradicionais.
Na opinião do orador, os líderes locais devem ter uma estrutura de apoio especializado no pensar da cidade, que “ajudem a fazer a sociedade do futuro, porque é nessa perspectiva que vamos resolvendo os problemas clássicos”.
O colóquio foi bastante participado, com a presença das forças vivas locais, que mostraram também o seu interesse no tema, fazendo várias questões aos convidados.

“É preciso reforçar a confiança nas sociedades modernas”

O historiador e presidente da Fundação Cidade de Guimarães partilhou a sua experiência na governança da Capital Europeia da Cultura e no objectivo de legado que esta experiencia cultural permitiu aquela região.
João Serra lembrou que sucedeu a Cristina Azevedo num contexto novo, de crise económica e social, em que os pressupostos em que foi montada inicialmente a candidatura  já não se verificavam.
Na opinião deste responsável, este é o dado novo para todos os decisores culturais e políticos, que têm que pensar e delinear os projectos mas com  menos dinheiro. “A cultura tem que ser um elemento de energia das cidades, que têm que olhar o território, falar umas com as outras e pôr de pé, provavelmente, um novo modelo social e político e um novo processo de modernização”, defendeu.
De acordo com o historiador e docente universitário, há a obrigação de promover mais participação, mais transparência e, sobretudo, reforçar um “bem raro” nas sociedades modernas, que é a confiança. “A confiança é um elemento decisivo da vida social e política”, reforçou.
Na sua intervenção, o orador sintetizou as ideias em três áreas: cultura e inovação, democracia e comunicação.
“Precisamos de uma cultura acessível e participativa”, defendeu, acrescentando que esta deve também ser entendida como um acelerador do desenvolvimento. A cultura deve ser, na sua opinião, a força motriz do sistema educativo e “dialogar” com a economia e a sustentabilidade.
A cultura é também “um dos mais importantes factores de internacionalização dos territórios porque traz um turismo que olha para o território e que quer participar”, disse.
Por outro lado, João Serra salientou que a “democracia é confiança, espirito de colaboração”, mas que esta questão implica uma negociação permanente, enquanto que a comunicação estimula a apropriação do processo cultural como um processo colaborativo.
“A cultura é um conjunto de dispositivos montados num território para a valorização das pessoas, num processo democrático e da comunicação entre as culturas”, concluiu.

Fátima Ferreira
fferreira@gazetadascaldas.pt

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