O governo esteve reunido no passado sábado, 22 de Junho, no mosteiro de Alcobaça, num Conselho de Ministros extraordinário destinado a debater a reforma do Estado. Uma reunião que se pretendia informal e da qual não saíram conclusões objectivas, mas que marcou a agenda política do dia (a par da convenção autárquica do PS que decorreu na mesma data em Lisboa).
Em Alcobaça, os governantes ouviram vaias e assobios antes de se reunirem na Sala do Capítulo à mesma hora em que decorria também no mosteiro um casamento e o lançamento de um livro. Quem mais capitalizou com o evento foi o presidente da Câmara local, Paulo Inácio, e a própria cidade de Alcobaça, sobre a qual convergiram nesse dia todas as atenções do país.
Álvaro Pereira foi o primeiro a chegar. Às 14h28. E a relativa calma que existia em frente ao mosteiro foi subitamente interrompida quando um grupo de 20 pessoas se levantou das esplanadas e correu para o gradeamento que desenhava um perímetro de segurança em torno do monumento com cartazes e faixas, apupando o ministro da Economia.
A partir daí e até muito depois das 15h05, hora em que o primeiro-ministro, Passos Coelho, encerrou o desfile de ministros que iam chegando ao local da reunião, não deixou de se ouvir ruído de protestos, apesar do grupo não ter ultrapassado a meia centena de pessoas.
Ainda assim, tudo correu como previsto. Os grandes carros pretos iam chegando à frente do mosteiro, de onde saíam os ministros, um a um, recebidos pelo presidente da Câmara, alguns vereadores e a Orquestra Típica e Coral de Alcobaça que, tocando em tom morno, nunca conseguiu fazer-se ouvir por cima dos assobios e protestos.
Às 14h31 chegou o ministro Marques Guedes. Às 14h40, Aguiar Branco. E às 14h43 foi a vez de Vítor Gaspar que teve, naturalmente, “direito” a um maior volume de decibéis de protestos. Mota Soares chegou às 14h44, Poiares Maduro um minuto depois, Paula Teixeira da Cruz às 14h47, Assunção Cristas às 14h50, Paulo Macedo às 14h52 e o ruído voltou a aumentar às 14h57 com a chegada de Paulo Portas.
No entretanto, a igreja do mosteiro não esteve fechada e alguns turistas, em t-shirt e calções arriscavam entrar, apesar da forte presença policial nas imediações.
Foi o caso de Jean Noel e Cristel, um casal de Toulouse, que ficou espantado ao chegar a Alcobaça e ver tanta polícia, mas logo lhe explicaram que iria ali estar o primeiro-ministro de Portugal. Por entre seguranças e jornalistas entraram calmamente na igreja para ver os túmulos de Pedro e Inês, mas não quiseram ficar para ver o governo. Saíram, rumo à Batalha, ainda antes de se iniciarem os protestos.
UM CASAMENTO ENTRE MINISTROS
O fait divers mais relevante do dia foi, porém, o casamento do Carlos e da Cátia, um casal alcobacense que tinha o nó marcado para as 15h00. O noivo, vestido de um espampanante azul turquesa, entrou no mosteiro pouco depois de Portas e a noiva subiu as escadas logo a seguir a Passos Coelho. Misturaram-se assim ao princípio da tarde, à entrada do monumento que é uma das Sete Maravilhas de Portugal, jornalistas com a parafernália de câmaras, cabos e tripés, turistas em calções, seguranças de fato e gravata, polícias à paisana e convidados com traje de cerimónia.
A cerca de 200 metros os manifestantes não eram muitos, mas foram eficazes no ruído provocado. “Demissão”, “gatuno” e “O povo unido jamais será vencido” eram os slogans mais ouvidos, a par de faixas e cartazes onde se lia “Basta de exploração e empobrecimento”, “Está na hora de o governo ir embora” e até um “Professores em luta” (apesar de Nuno Crato não ter chegado a horas por se encontrar no estrangeiro, acabando por vir apenas às 18h00 para posar na fotografia de grupo).
Grande parte dos manifestantes eram sindicalistas da Marinha Grande. Mas, apesar do tom aguerrido, cumpriram regras: antes do tudo começar, partilharam sossegadamente a mesma esplanada, a escassos três metros do ministro Poiares Maduro, que ali almoçou uma tosta mista, tendo os manifestantes se limitado a erguer os cartazes à passagem dos fotógrafos.
Mas foi já longe da confusão, no claustro D. Dinis que Paulo Inácio deu as boas vindas ao governo e pediu a Passos Coelho para assinar o livro de honra da cidade. Já antes disso, o presidente da Câmara se desdobrara em entrevistas às rádios e televisões repetindo a “honra” que representava para o concelho receber o governo e fazendo votos que os esperados protestos decorressem de forma ordeira.
O primeiro-ministro só falou uma vez, tendo a declaração final ficado a cargo do ministro-adjunto e do Desenvolvimento Regional, Poiares Maduro, que falaria à imprensa ao final da tarde. Antes da sessão, Passos Coelho limitou-se a confirmar que não iria haver decisões deste Conselho de Ministros extraordinário, que decorre “praticamente dois anos após a tomada de posse do governo, sensivelmente a um ano do país concluir o programa de assistência económica e financeira”.
Referindo-se ao período pós troika disse que “a forma como estivermos preparados para lançar as acções reformistas de que o país precisa é decisiva para podermos enfrentar o período a partir de 2014 com o sucesso que todos os portugueses têm feito por merecer”.
Aludindo ao local onde a reunião iria decorrer, o primeiro-ministro disse que esperava que esta fosse “inspirada pela história que estas paredes encerram e pelo que a pátria sonha para si própria, para os seus filhos e para os portugueses dos próximos anos”.
UMA TARDE NO MOSTEIRO
E depois disto houve uma ginja de honra nos mesmos claustros e os governantes encerraram-se na Sala do Capítulo durante uma tarde que, sendo do segundo dia de Verão, mais parecia de Primavera.
Alguém disse que uma guerra são longas horas de tédio seguidas de poucos minutos de puro stress. Para os jornalistas, um evento político destes tem as suas semelhanças: uma tarde monótona na sala da imprensa e no claustro D. Dinis, com seguranças e polícias do Grupo de Operações Especiais colocados em pontos estratégicos, seguida de minutos em que todos confluem para os directos nas rádios e telejornais quando um ministro vem prestar declarações.
Felizmente que a Câmara de Alcobaça, prevendo uma presença massiva da imprensa nacional, soube aproveitar a oportunidade para promover os produtos regionais na Sala dos Reis, onde foi montada a sala de imprensa. Nela não faltou a fruta de Alcobaça, os sumos naturais, doces e até um barrilinho de ginja à disposição dos jornalistas. Diga-se, aliás, que esta fez as delícias, não só dos representantes da imprensa como de alguns elementos da segurança do primeiro-ministro que não hesitaram em prová-la.
Depois da fotografia de grupo, coube a Poiares Maduro falar à imprensa, num discurso que nada trouxe de substantivo. O governante desmentiu a notícia do Expresso desse sábado, dizendo que Portugal não tinha pedido à troika uma revisão da meta do défice.
“Não é uma questão que se coloque neste momento”, disse o ministro, sublinhando que Portugal obteve uma grande credibilidade na Europa por ter vindo a cumprir o programa de assistência financeira.
Poiares Maduro disse que durante a reunião do conselho de ministros “houve uma discussão muito viva, aberta, franca e produtiva” e confirmou que nela foi debatida a reforma do Estado, apresentada por Paulo Portas.
Mas quanto a conclusões e mudanças objectivas, nada disse, limitando-se a repetir que o governo pretende transmitir uma mensagem de esperança aos portugueses, mas num contexto de verdade porque “o caminho é estreito”, tendo em conta a evolução da economia também no resto da Europa. Ainda assim, adiantou que a partir de agora “haverá uma relação diferente do Estado com o cidadão em matéria de proximidade e de transparência”.
Poiares Maduro disse que alguns dos problemas do país são estruturais e precedem a própria crise financeira e que o governo está “a reforçar a competitividade da nossa economia e a promover a relação do Estado com o cidadão sem prometer nada que não estejamos em condições de oferecer”.
E tão depressa como chegou, o governo foi-se embora. Só Paulo Portas tardou um pouco mais pois fez questão de ir a uma pastelaria comprar doçaria regional.
Carlos Cipriano
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