Transferência das águas termais para a Câmara não reúne consenso

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A Assembleia Municipal das Caldas ainda não tomou uma posição sobre a concessão das águas por parte do município caldense, no seguimento da proposta da Direcção Geral e Energia e Geologia, estando marcada uma nova reunião para a próxima terça-feira, 20 de Agosto. Entretanto, os representantes dos partidos irão reunir em sede de comissão numa tentativa de chegar a um consenso o mais alargado possível.
A oposição defende que o assunto deve ser adiado para depois das eleições e que a autarquia não deve responder à “chantagem” da tutela, enquanto que o presidente da Câmara em exercício, Tinta Ferreira, explicou que quem decide o momento não é a Câmara, mas quem tem responsabilidades relativamente à concessão, neste caso a administração central.

Mais de três horas e meia de reunião não foram suficientes para que os partidos chegassem a consenso sobre a posição a tomar pela autarquia relativamente à concessão das águas termais, que deixam de pertencer ao Centro Hospitalar Oeste Norte.
Tendo em conta que esta é uma situação que se coloca à Câmara pela primeira vez em 500 anos, o seu presidente, Tinta Ferreira, explicou o teor do contrato proposto pela Direcção Geral de Energia e Geologia (DGEG) para atribuição dos direitos de exploração da água mineral natural, bem como das alterações que a Câmara propõe.
Em dos 20 cêntimos de taxa a pagar por metro cúbico de água extraída, a autarquia propõe o pagamento de metade (10 cêntimos), bem como uma diminuição do coeficiente de aproveitamento do volume extraído em cada captação. A proposta avançada pela Direcção Geral de Energia e Geologia era de 70% e a Câmara propõe que o valor seja de 60% e que o prazo de revisão dos montantes passe de cinco para 10 anos, sendo que a Câmara apenas começará a pagar depois de ter finalizado o investimento que terá que realizar.
Foi ainda aprovado em sessão de Câmara, por unanimidade, a introdução de um novo ponto que refere que, enquanto o novo edifício não estiver construído, a DGEG continuará a autorizar a utilização do antigo balneário termal (no Hospital Termal) para as mesmas funções que eram desenvolvidas até à data de encerramento daquele hospital.
O médico e antigo administrador do Centro Hospitalar, Mário Gonçalves, foi o primeiro elemento do público a intervir, para mostrar a sua indignação com a “situação de inércia e decrepitude que é atribuída ao Hospital Termal”. Lembrou que em 1995 aquele hospital tratou 8103 utentes, dos quais 3000 por via do internamento e mais de 5000 por via do ambulatório.
“Eramos a segunda maior estância termal do país”, disse, acrescentando que a partir de então verificou-se uma degradação progressiva, com as interrupções dos tratamentos termais na sequência do aparecimento de bactérias.
Mário Gonçalves disse ter dificuldade em entender a razão pela qual a DGEG considera que o contrato deve cessar e reconheceu o papel da Câmara ao assumir responsabilidades nesta situação, facto “que nem sempre aconteceu”. Considera também que as questões de falta de idoneidade administrativa e técnica levantadas pelo director José Alcântara Cruz são resolúveis, lembrando que na Assembleia Municipal foi aprovada uma moção de censura à administração do CHO e pedida a sua demissão. O responsável defendeu ainda a autonomização do Hospital Termal do ponto de vista administrativo, financeiro e patrimonial, sem prejuízo da sua continuidade no âmbito do Serviço Nacional de Saúde.
“O Hospital Termal, o único com a sua vocação que se encontra sob a tutela do Ministério da Saúde, possui o estatuto de hospital central especializado”, disse, adiantando que esta não é uma designação honorífica, mas que confere garantias que os doentes só podem ser admitidos a tratados com a prévia e obrigatória avaliação médica.

UM REFERENDO AO FUTURO DO TERMAL

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Vítor Dinis, representante dos promotores do abaixo-assinado contra a privatização do Hospital Termal, garantiu que nunca irão abdicar da continuidade daquele hospital, questionando como é possível que 500 anos após a sua construção, não haja desenvolvimentos que permitam a sua remodelação e possibilidade de continuar a funcionar. Considera também que a concessão das águas foi retirada ao CHO devido à sua má conservação e defendeu que é preciso levantar um processo-crime contra a administração do Centro Hospitalar por “falta de competência e capacidade”.
Vítor Dinis deixou ainda um convite a todos os partidos políticos para que apoiem a possibilidade de realização de um referendo à população sobre o futuro do Hospital Termal e do termalismo caldense, pois considera que ainda “não há um trajecto traçado no sentido de manter o Hospital Termal sempre em exercício e em memória do legado da rainha”.
Teresa Serrenho participou na reunião na qualidade de cidadã e de candidata à Câmara pelo Movimento Viver o Concelho, para desde logo criticar a altura em que o assunto é abordado, a pouco mais de um mês das eleições. “Haverá legitimidade para a Câmara neste momento gerir o Hospital Termal?”, questionou Teresa Serrenho, que considera que a solução terá que ser bastante bem ponderada e que o projecto a definir deverá ser sustentável para as gerações futuras. Na sua opinião, devem evitar-se “decisões precipitadas e pouco transparentes” e seguir-se o caminho de outras autarquias, como Lisboa, onde foram adiadas as decisões de aprovações de projectos para depois das eleições autárquicas.
Teresa Serrenho disse ainda que responsabilizava todos os membros daquela Assembleia por uma decisão que pode condicionar para sempre o destino das Caldas. “Estou consciente que esta tomada de posição pode ser aproveitada negativamente nas eleições por parecer que estamos a querer adiar o problema, mas o assunto em causa é mais importante  do que qualquer resultado eleitoral”, disse, destacando que não é preciso que haja uma decisão, mas sim uma decisão certa.
Também Fernando Rocha (BE) fez uma intervenção no período dedicado ao público para louvar as palavras “sábias e de indignação” de Mário Gonçalves, pessoa que considera que sempre teve posições muito correctas sobre o termalismo caldense e que deve ser uma voz que a Câmara deve escutar. O militante bloquista lembrou que esta questão é levantada num período em que também as Câmaras receberão menos dinheiro da administração central e que, para poder intervir no termalismo, poderá ter que deixar de socorrer a população noutras situações graves, tendo em conta a crise que o país atravessa.
Fernando Rocha realçou ainda o mérito da proposta de Vítor Dinis para que se faça um referendo para ouvir a população.

ESTADO NÃO FARÁ MAIS INVESTIMENTOS

Para o deputado social-democrata e presidente da Assembleia Municipal, Luís Ribeiro, tornou-se claro que o Estado “não fará mais investimentos no Hospital Termal e menos ainda no que ao relançamento das termas diz respeito”, pelo que continuar a exigir isso da tutela é deixar que nada se faça. “De que serve o Compromisso da Rainha se as termas estiverem fechadas?”, questionou, defendendo que terão que ser os caldenses a assumir a necessidade de modernizar as termas e enquadrá-las numa estratégia de desenvolvimento regional.
O deputado está consciente que se trata de um investimento avultado e que poderá condicionar as escolhas orçamentais no futuro, mas está convencido que se a Câmara conseguir levar este projecto para a frente, a economia local e regional será amplamente beneficiada e crescerá.
António Cipriano (PSD) defendeu que a Assembleia deve ter “capacidade e coragem” de fazer uma escolha para tentar resolver este problema, destacando que a intervenção da Câmara pode ser uma possibilidade para o termalismo caldense. “A concessão da água ao município permite a concretização de dois propósitos fundamentais: garantir o Compromisso da Rainha e definir uma estratégia de desenvolvimento para o concelho”, disse, acrescentando que o povo poderá através do voto, de quatro em quatro anos, manifestar o seu contentamento, ou não, com a gestão do património termal.
Já o seu colega de bancada, Daniel Rebelo, disse estar convicto que o único empenhado em resolver o problema do Hospital Termal é o presidente da Câmara e acusou os outros partidos de não terem coragem para o fazer, o que motivou críticas dos seus colegas, nomeadamente socialistas.
A deputada Filomena Rodrigues (PSD) considera que a água termal das Caldas é medicamento e, como tal, tem que estar sob a tutela de cuidados profissionais responsáveis. Por outro lado, é a matéria-prima para a execução de um projecto termal e sem a qual nenhum outro investimento que lhe esteja associado se justifica.
Na sua opinião, a detenção da concessão da água irá reforçar a posição negocial do município com a Direcção Geral do Tesouro no processo da condição do património termal. Para além disso, as condições propostas para a concessão, a par das garantias da DGEG e do Ministério do Ambiente para a possibilidade de exploração das termas, depois da realização das obras, “irão permitir tirar recursos financeiros que contribuirão para a sua concretização”.
Tinta Ferreira disse também estar indignado por o Estado não ter feito os investimentos que lhe competia e que levou a que o património se fosse degradando. O presidente da Câmara em exercício garantiu que os deputados estão na posse de todos os dados existentes e reconheceu que este não será a melhor altura para se decidir sobre este assunto e que o fez saber ao director geral de Energia e Geologia. No entanto, especificou que quem decide o momento não é a Câmara, mas quem tem responsabilidades relativamente à concessão.
Tinta Ferreira disse ainda que não há intenção de privatizar o Hospital Termal.
Respondendo a Teresa Serrenho, Tinta Ferreira considera que não devem usar este assunto como bandeira eleitoral e lembrou que convidou o movimento para tomar conhecimento do que se passava juntamente com todos os outros partidos, apesar deste não ter assento na Assembleia Municipal.

NÃO É TEMPO PARA DECISÕES APRESSADAS

Para Catarina Paramos (PS) este não é o tempo para decisões apressadas, defendendo que o mais urgente é garantir que o Hospital Termal reabra, o que poderá acontecer ainda sob a tutela do Ministério da Saúde. “A Câmara e esta Assembleia mostraram-se estar disponíveis para pagar as obras necessárias para que o Hospital Termal tenha condições para reabrir e parece-me que é nisso que devemos concentrar-nos de imediato”, disse.
A socialista acrescentou que não podem aceitar a “chantagem”, ainda que saibam que “esta administração do Centro Hospitalar tudo tem vindo a fazer para se despachar do Hospital Termal, desde a desorçamentação para fazer as análises à água, até à indisponibilidade para fazer qualquer tipo de obras”. A deputada acredita também que o CHO não vai contestar a perda da concessão das águas termais.
A responsável socialista diz que, de acordo com o protocolo proposto pela DGEG, o Hospital Termal tal como actualmente se conhece não voltará a reabrir, pois a Câmara obriga-se a fazer um novo estabelecimento termal, e questionou onde se irão buscar financiamentos para a sua construção e onde é que este será feito.
Catarina Paramos recordou a petição que foi aprovada por unanimidade em Maio deste ano, onde os deputados contestaram a decisão do encerramento do hospital sine die e congratularam-se com a decisão da Câmara ao colocar ao dispor do Ministério da Saúde os recursos financeiros necessários à realização das obras exigidas na condição de manutenção da medicina física e reabilitação nas actuais instalações. A petição solicitava ainda com carácter de urgência uma audiência do primeiro-ministro para o sensibilizar para o Hospital Termal, bem como dar soluções adequadas, mas nada disso foi feito.
“Continuaremos unidos mas só quando os reais interesses do município estiverem em causa”, disse Catarina Paramos.
Para o seu colega de bancada, António Ferreira, este é um problema de natureza política e têm que ser pedidas responsabilidades ao conselho de administração do CHO. Corrobora da opinião de que o assunto deverá ser decidido após as eleições e não entende porque é que a Câmara não luta mais pelo Hospital Termal junto do governo, tal como o fez com a Linha do Oeste, que trouxe resultados satisfatórios. “Não estou disponível para perdermos o hospital termal público”, disse.

ASSINAR CHEQUES EM BRANCO?

António Ferreira defendeu ainda a necessidade dos deputados fazerem uma escolha consensual e global. “Se o pacote tivesse chegado de outra forma, global, se calhar estávamos todos de acordo, porque o problema está que em estamos a assinar cheques em branco”, disse, referindo-se ao facto de apenas decidirem sobre a concessão das águas e não todo o processo do Hospital Termal.
Jorge Sobral (PS) disse que não é possível comparar o desinvestimento deste governo no Termal com outros, pois nenhum dos anteriores se decidiu pelo seu fecho, trabalhando com as administrações no sentido de reparar os problemas que iam aparecendo.
Para o deputado socialista a luta não acabou e um caminho a seguir poderá ser conseguir manter o Hospital Termal onde ele está, caso seja derrotado o actual governo.
Referindo-se à proposta de protocolo, Jorge Sobral, afiançou que o PS colabora nas soluções, dando nota que algumas das alterações feitas, como a redução do valor com os encargos de exploração e a manutenção do actual hospital enquanto o novo não estiver feito, foram da responsabilidade dos seus vereadores.
Jorge Sobral deixou ainda a sugestão à Câmara de falar com o secretário de Estado do Ambiente, o caldense Paulo Lemos, para dizer ao ministro que não é necessária esta urgência e que poderia ser negociado todo o pacote do termal.
Para o seu colega de bancada, Carlos Tomás, o que tem “afundado” o termalismo é a incompetência e a ausência de responsabilização por quem tem responsabilidade, disse, dirigindo-se à administração do CHO. O deputado socialista não se identifica com a forma como o processo está a ser conduzido, considerando que mais importante que a Câmara ou a Assembleia Municipal tomarem uma posição, é a possibilidade de todos os munícipes se poderem manifestar sobre qual o rumo a tomar pelo termalismo caldense.

UMA CHANTAGEM INADMISSÍVEL

O deputado Vítor Fernandes (CDU) lamentou que o responsável da DGEG, José Alcantara Cruz, só agora tenha constatado que as sucessivas administrações tenham gerido mal o Hospital Termal, mas refutou que todas tenham igual culpa. “Algumas administrações foram competentíssimas na administração do termal, tendo-o a funcionar como o segundo melhor do país, enquanto que outras, particularmente esta última, tem tentado fazer tudo para destruir este hospital”, disse, lembrando que já pediram a sua demissão, ainda que nada tenha sido feito.
O deputado comunista considera que “foi feita uma chantagem inadmissível” à Câmara e acha que se deve continuar a insistir junto do Ministério da Saúde para que resolva o problema do hospital. “Se não continuarmos a luta pela solução do termal, encontrar-se-ão outras que não serão as melhores para as Caldas da Rainha e os seus cidadãos”, disse.
PSD REJEITA ADIAR DECISÃO

Lino Romão (BE) reconheceu que o momento é grave, mas entende que não deve ser excessivamente dramatizado. Defendeu uma solução devidamente ponderada e considera que o protocolo proposto à Câmara esconde o encerramento definitivo da medicina termal, deixando de haver um hospital para se passar a ter uma estância termal.
O deputado bloquista lembrou as várias vezes que Mário Gonçalves alertou para a situação do Hospital Termal e que se este tivesse sido ouvido não se teria chegado a este ponto, com a “Câmara a deitar mão ao Hospital Termal, e a prestações”.
Por considerar que este não é o momento oportuno para se decidir sobre este assunto, Lino Romão apresentou uma moção onde solicita ao director geral de Energia e Geologia que adie a decisão sobre a entrega do aquífero a terceiros, que não a actual concessionária, para Outubro próximo, logo após as eleições autárquicas. O documento, que foi rejeitado pela maioria social-democrata, recomendava ainda que o assunto fosse objecto de debate público e amplamente discutido pela população.

O EXEMPLO DE MELGAÇO

Duarte Nuno (CDS-PP) diz que apesar de esta ser uma má altura para discutir o protocolo a estabelecer, não há razões para recear tomar decisões a assumi-las, até porque foi mandatado pela população para o fazer. Membro da Assembleia Municipal há perto de 15 anos, diz que sempre se lembra de falarem do Hospital Termal e haver queixas das suas administrações.
O deputado centrista falou ainda das termas de Melgaço como um bom exemplo de recuperação e revitalização de um projecto termal, através de uma parceria público-privada.
“Não estiveram à espera que o Estado resolvesse”, disse, acrescentando que este nunca vai entender o termalismo de forma moderna como hoje em dia se exige.
O problema que o CDS encontra com este protocolo é não estar justificado tecnicamente por que motivo o Hospital Termal vai deixar de servir para fazer tratamentos termais, pedindo para tirar do documento a obrigatoriedade de se construir um novo hospital.
Duarte Nuno lembrou que já há dois anos apontaram a solução para o Hospital Termal, que passa pela concessão do património termal, numa parceria entre o Ministério da Saúde, Câmara e privados.
“A concessão é importante porque se for o município a tomar conta das termas, há financiamento comunitário para recuperar, por exemplo, os pavilhões do parque, que estão em risco de queda”, disse.
O deputado lembrou que o vereador e deputado na Assembleia da República, Manuel Isaac, já teve informações do secretário de Estado do Turismo sobre a possibilidade de comparticipação comunitária na recuperação do património do Hospital Termal e que a melhor solução será através de um projecto do município, podendo este obter comparticipações até 95%, enquanto um privado apenas poderá obter um apoio até 70% do montante investido.
Para Duarte Nuno um projecto para o Hospital Termal só faz sentido se for abrangente e incluir o turismo de lazer e de saúde, constituindo-se uma alavanca de desenvolvimento. Com estas características tal só será possível com a presença de privados, mas tendo o Estado um papel importante, que é o de garantir a presença do SNS e que o Hospital Termal continua a servir ao nível da medicina.

Decisão adiada

Sem que se chegasse a um consenso relativamente à posição a tomar pela Câmara no que respeita à concessão das águas termais, todos os partidos concordaram, contudo, que o assunto deveria baixar à segunda comissão para ser aprofundado. O presidente da Assembleia Municipal marcou nova reunião para 20 de Agosto durante a qual haverá lugar a um votação.

Fátima Ferreira
fferreira@gazetadascaldas.pt

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