Presidente da Câmara de Óbidos diz que financiamento para a municipalização da educação está no bom caminho

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FotoEspecialistaO presidente da Câmara de Óbidos, Humberto Marques, acredita que poderá estar próximo o fim das negociações com a tutela com vista ao arranque da escola municipal. O autarca diz que o governo demonstrou abertura para alterar a fórmula de financiamento destas escolas em relação às despesas fixas, que passam a ser calculadas sem ter por base o número de alunos inscritos.
Estas explicações foram dadas no passado dia 13 de Fevereiro, numa Assembleia Municipal extraordinária destinada a discutir a municipalização da educação no concelho de Óbidos.
Cerca de 150 pessoas, entre pais, alunos e professores, marcaram presença na reunião e mostraram as suas dúvidas sobre o processo em curso. Também os deputados municipais esgrimiram argumentos sobre o processo, mas apenas a CDU se mostrou claramente contra, acusando o governo de atacar a qualidade do ensino e favorecer a sua progressiva privatização.
O processo de municipalização da educação em Óbidos poderá estar perto do seu final. O presidente da Câmara, Humberto Marques reuniu no passado dia 11 de Fevereiro com o secretário de Estado da Administração Local, António Leitão Amaro, onde foi mostrada abertura para alterar a  fórmula de financiamento das escolas municipais. Em causa estão as despesas fixas, que a autarquia defende que não devem ser calculadas com base no número de alunos.
“A energia eléctrica ou a limpeza são despesas fixas e que o governo reconhece que terá que ser pago independentemente do número de alunos”, disse o autarca, acrescentando que continuam também em negociações as despesas correntes, essas sim relacionadas com a quantidade de estudantes que estejam matriculados nas escolas do concelho.
Humberto Marques registou uma “maior abertura” do lado do governo nesta matéria e notou que este “está realmente interessado em que a descentralização funcione bem”.
O autarca voltará a reunir com a tutela ainda durante o mês de Fevereiro e, “estando fechado e quantificado o modelo de financiamento, o processo fica definido”, explicou.
Humberto Marques especificou ainda que não se trata de uma municipalização, mas de uma “territorialização da educação” pois não pressupõe que a autarquia concentre os poderes que são hoje do Ministério da Educação. “Nunca foi essa a ideia”, afirmou, especificando que  quando falaram em municipalização não lhe deram a conotação que possui actualmente. “Óbidos sempre defendeu o modelo com um Conselho Municipal de Educação com competências e não com a gestão da autarquia”, afirmou.
Com este novo modelo existem dois órgãos que ganham poder: o Agrupamento de Escolas e o Conselho Municipal de Educação, que a autarquia defende que tenha mais competências, mas que, para tal, terá que haver uma alteração na lei em vigor.
Também presente na Assembleia Municipal, o professor da Universidade Católica do Porto, Valdemar Castro Almeida – que tem colaborado com o município neste projecto – defendeu que é preciso recentrar a função da escola nas actividades escolares e de responsabilizar a sociedade pela escola e que é preciso toda uma “aldeia” para educar uma criança, referindo-se à necessidade de territorialização das acções educativas.
O especialista, que por diversas vezes citou outros pensadores da área como António Nóvoa, considera também necessário construir e activar redes de parcerias e de colaboração de base local, assim como novos poderes de base municipal e intermunicipal. Crente na descentralização e nos seus bons resultados, o responsável pensa que é possível criar uma comunidade educativa mais “interveniente, colaborativa e responsável”, com a participação de todos. Valdemar Castro Almeida considera também que, com as novas competências exercidas a nível municipal, as escolas e os professores ficam libertos de uma “tutela centralizada, que muitas vezes ignora as situações concretas e atrasa a adopção de medidas de promoção do sucesso educativo”.
Esta delegação de competências permite ainda, na sua opinião, uma análise e decisão sobre questões como a prevenção do abandono escolar precoce, promoção do sucesso escolar, definição de uma rede de oferta formativa mais adequada ao contexto e a realização de parcerias mais eficazes para a inserção profissional dos jovens. Para além disso, os projectos educativos passam a ter melhores condições de sucesso e os professores passam a ser mais “protagonistas da acção educativa, e não meros executores”, concretizou.
Este responsável explicou ainda que o projecto será avaliado e que os professores só poderão ser recrutados pelo município, e apenas para os projectos especiais de base local, se não houver docentes na escola.

Sala cheia para debater o novo modelo

No refeitório da escola Josefa juntaram-se cerca de 150 pessoas para assistir e participar na reunião. Para Manuel Micaelo, do Sindicato de Professores da Grande Lisboa (SPGL), este é um assunto de “preocupação nacional”, sobretudo no que respeita ao tempo e modo como o  processo está a decorrer. O dirigente sindical questiona porque é que o governo está com pressa em avançar com esta descentralização, em final de mandato e sem o acordo dos sindicatos.
Outra preocupação manifestada tem a ver com o “secretismo” em que o processo está a ser tratado, sem que se saiba quantas câmaras estão a participar e sem terem sido tornados públicos todos os documentos relevantes.
“Somos a favor da descentralização e não da municipalização”, disse Manuel Micaelo, que defende que a autonomia das escolas passe por conselhos municipais de educação. Este dirigente disse ainda recear que desta forma se acentuem as assimetrias entre as escolas e que haja processos pouco transparentes na selecção do pessoal docente e não docente.
“Estamos preocupados com as questões pedagógicas, mas também com o envelope financeiro que venha a acompanhar essa transferência de competências”, disse.
Opinião diferente tem o novo director do Agrupamento de Escolas Josefa de Óbidos, Artur Oliveira, que considera que este projecto possibilita a adequação à realidade do concelho. O responsável felicitou a autarquia pela “coragem de abraçar esta causa” e disse que houve informação à comunidade sobre o projecto educativo municipal.
Também alguns pais e docentes participaram no debate colocando questões sobre a motivação dos professores em abraçar o novo projecto, a gestão do currículo local ou os resultados que esperam alcançar.

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As preocupações da oposição

A reunião de quatro horas e meia foi também bastante participada pelos deputados municipais. A deputada do PS, Cristina Rodrigues, começou por destacar que a sua bancada é a favor da descentralização de competências por principio, mas que têm muitas dúvidas quanto à sua concretização.
A deputada questionou o executivo quanto à natureza e funcionamento do Conselho Municipal da Educação e alertou para o facto de dentro da descentralização haver a possibilidade de tendências de privatização de certas funções. “O Estado delega nos municípios e os municípios subcontratam a privados, o que, ficando a porta aberta, é um risco que se corre”, disse.
Referindo-se às questões de financiamento, Cristina Rodrigues estranhou não ter nos documentos o anexo relativo a esta matéria e alertou que, mesmo estando consagradas as cláusulas necessárias, há sempre o risco do Estado se esquecer “rapidamente” dos compromissos que agora assume. “Os poderes centrais raramente respeitam, nos anos seguintes, os acordos de descentralização celebrados com os actores locais”, disse, recordando assuntos como a manutenção do parque escolar ou os transportes escolares.
O seu colega de bancada, José Machado, aproveitou a referência feita a António Nóvoa para lembrar que este, num encontro recente em Santarém, “criticou a forma como o Governo, em final de mandato, está a tratar deste assunto, o que constitui um presente envenenado para os municípios aderentes”.
Embora defensor da descentralização, o deputado socialista considera que na proposta negociada com Óbidos o montante financeiro transferido não é adequado ao volume das competências e que é necessário clarificar a distribuição de competências entre a autarquia e a escola.
Os deputados socialistas questionaram ainda o executivo sobre a carta educativa, que dizem estar desactualizada, sobre o novo papel do director do agrupamento ou como será feita a articulação dos currículos locais com os nacionais.

“Cabe à autarquia despedir professores”

As maiores críticas ao projecto educativo municipal vieram da CDU, com o deputado José Raposo a denunciar que o que está em curso “não é um qualquer  processo de descentralização ou municipalização, mas sim de destruição das funções sociais do Estado e de políticas públicas”.
Na sua opinião, o contrato que Óbidos se prepara para assinar “é inseparável” do actual regime de gestão escolar, que considera cada vez menos democrático, e do processo de transferência de competências na área da educação para as autarquias locais, aumentando-lhes os encargos.
José Raposo salientou ainda que o modelo de financiamento  implica a “redução da despesa global, decorrente da optimização de recursos”, cabendo à autarquia o “odioso da decisão de dispensar ou despedir professores, educadores e pessoal não docente, a troco de ter o retorno de 50% das poupanças que realizar na gestão do projecto”.
Sílvia Correia (CDU) informou que o financiamento actualmente transferido pelo Ministério da Educação para o município, no âmbito da transferência de competências, “é claramente insuficiente”, destacando que tem sido a Câmara a suportar o encargo, “agravando ainda mais a sua situação financeira”. Tendo em conta esta situação, questiona como é que esta pode pensar que o montante a financiar pela tutela vai ser suficiente, sobretudo quando se têm vindo a realizar sucessivos cortes orçamentais na Educação.
A deputada comunista revela ainda que esta descentralização promove o princípio da desigualdade e  abre caminho para a privatização do ensino.
Os deputados do PSD foram unânimes no voto de confiança dado ao novo modelo, destacando as suas virtudes ao nível da atractividade de alunos, sucesso educativo e maior participação da comunidade.

Fátima Ferreira
fferreira@gazetadascaldas.pt

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