“O Estado Islâmico não é apenas mais um grupo de terroristas, quer conquistar o mundo com as suas ideologias”

0
1483

JoãoRuchaPereira1João Rucha Pereira foi o convidado do MVC (Movimento Viver o Concelho) para a primeira sessão “21 às 21” deste ano, que trouxe às Caldas o tema “Conflitos, Terrorismo e Refugiados”. A Guerra do Iraque, o Estado Islâmico e a crise dos refugiados foram os assuntos da noite, num debate em que França, em particular Paris, também não escapou à discussão. Para João Rucha Pereira, responsável pela segurança do Papa João Paulo II por 19 anos, a perícia militar aliada ao fanatismo religioso são as duas grandes muralhas que dificultam o combate ao Estado Islâmico.

“Não é possível fazer um livro com uma explicação detalhada do que é a democracia, entregá-lo a um povo árabe e esperar que este o leia e mude o seu regime”. Esta foi uma das principais ideias defendidas por João Rucha Pereira, colocada por diversas vezes em cima da mesa. O consultor de segurança internacional comparou a democracia a uma peça de roupa que não tem tamanho único, incapaz de servir e assentar a toda a gente da mesma forma. Os regimes democráticos assemelham-se a “fatos por encomenda”, que devem ser adaptados a cada caso.
Para ilustrar a sua opinião, o criminalista recorreu à Guerra do Iraque, um exemplo a não seguir. Num país onde existem etnias que semeiam o ódio entre si (curdos, xiitas e sunitas) e que é povoado por 176 tribos, lideradas por diferentes chefes cujas fronteiras se cruzam, “é preciso criar consenso entre os vários representantes das correntes religiosas e tribais para ser possível formar um governo de salvação nacional”. Em vez disto, os Estados Unidos optaram por “cozinhar” o governo que melhor serviria os seus interesses, chamando para o poder pessoas do seu critério.
Actualmente 30 regiões no mundo enfrentam conflitos armados, guerras que se estendem da Síria, ao Iraque, Egipto, Iémen, Líbia, Nigéria, Paquistão, Ucrânia, Sudão do Sul, República Centro Africana, Afeganistão, Israel, Palestina, Somália, Uganda e à República Democrática do Congo, nomeando apenas os principais.

“O Estado Islâmico está a refinar os ataques”

- publicidade -

Passada a batata quente para o tema do terrorismo, João Rucha Pereira fala do “grupo terrorista do momento”, o Estado Islâmico (EI), que surge do abrandamento da Al-Qaeda, em 2004. “Um grupo que é muito mais violento e eficaz”, explica o consultor de segurança, mas que, embora se auto-proclame de Estado Islâmico, “não é Estado nem é Islâmico”. Isto porque, em primeiro lugar, não tem legitimação constituída no direito internacional, segundo, porque distorce a religião do islamismo à sua mercê, defendendo apenas a interpretação sunita. Ainda assim, comportam-se como um Estado.
Ocupando uma área territorial superior à do Reino Unido, criaram moeda própria, administram escolas e hospitais e recolhem impostos. Vivem do petróleo, extraindo cerca de 40 mil barris por dia, do contrabando de antiguidades (por vezes, património mundial), da produção de gás, de saques a bancos, de transferências de fundos de apoiantes e dos resgates recebidos por raptos. Só em 2013, receberam 80 milhões de euros com esta última “fonte de rendimento”.
Força activa na Internet, é por este meio que o EI divulga os actos terroristas e recruta bastantes jovens para o terreno. Hoje tem do seu lado cerca de 40 mil combatentes armados. Para manter a ordem, o grupo muçulmano executa em praça pública, amputa e escraviza. Três mil e quinhentos, é o mais recente número indicado de pessoas mantidas em escravatura.
“Estão a mudar de tática, agora escolhem zonas estratégicas com mais turistas estrangeiros para atingirem nacionalidades diferentes, uma vez que também há mais países a combatê-los”, alertou João Rucha Pereira, defendendo que o sucesso contra o EI apenas é possível “se metermos as botas no terreno, pois só os bombardeamentos aéreos não resolvem”.
Entre outras soluções de combate ao grupo terrorista, o convidado apontou a educação para a paz nas escolas, a resolução primeira dos conflitos internos na Síria e Iraque, mais eficiência nos serviços de informação dos restantes países – “o último ataque a Paris poderia ter-se evitado se os belgas tivessem partilhado informação importante que tinham em mãos” – e a intensificação da cibersegurança, para que sejam destruídas páginas de promoção ao Estado Islâmico.
“Os refugiados não são um problema recente”

Já em 1999, o historiador Eric Hobsbawn dizia que o mundo enfrentava a maior crise de refugiados desde a Segunda Guerra. “Os políticos quiseram ignorar o problema, adiá-lo, em vez de combatê-lo precocemente”, criticou João Rucha Pereira, auxiliando-se uma vez mais de números. Há 13,6 milhões dos actuais 60 milhões de refugiados que fogem dos territórios ocupados pelo EI. Vítimas duas vezes (à segunda pela mão dos traficantes a quem pagam as poupanças de uma vida para chegar à Europa), milhares de refugiados nem chegam a ultrapassar a viagem no mar. De 1500 mortos em 2011, o número aumentou para 2500 só nos primeiros oitos meses do ano passado.
Neste ponto, acendeu-se o debate. Rui Faria, bombeiro de profissão, levantou a questão das recentes violações a jovens alemãs protagonizadas por refugiados na noite de passagem de ano em Colónia. “Misturados com os bons vêm outros que querem causar problemas. Por isso, tem que haver um controlo rigoroso dos próprios refugiados: Quem são? De onde vêm? Estão nas listas dos terroristas?”, respondeu João Rucha Pereira.
À baila, veio também a França. Emanuel Pontes, representante do MVC na mesa, questionou: “Porque tem que ser a França a adaptar-se a eles e não o contrário?”, dando o exemplo da retirada da prática de natação no ensino francês porque os jovens muçulmanos de sexo oposto não podem partilhar a mesma piscina. Do mesmo modo, o Natal deixou de ser celebrado nas escolas e, revelou Jean Pierre Hougas, “os presépios foram proibidos nas Câmaras”.
“Se nem na França conseguimos fazer-lhes frente, como seremos capazes de combatê-los no seu território?”, rematou Rui Faria, deixando a dúvida em aberto e mais uma crítica: houve poucas forças vivas da cidade presentes nesta sessão.

Maria Beatriz Raposo
mbraposo@gazetadascaldas.pt

- publicidade -