Numa semana Portugal quebra o verniz da estabilidade

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Inesperadamente, ou talvez não, esta semana precipitou-se a crise governamental portuguesa, não se sabendo no momento em que fechamos esta edição da Gazeta das Caldas (noite de terça-feira), como irá deslindar-se o problema.
Vejamos a “narrativa” dos factos até à noite desse dia:
1º andamento – Segunda-feira a meio da tarde – é conhecida a demissão do ministro das Finanças, Vítor Gaspar, que se sabe depois que foi concretizada à terceira tentativa para sair deste governo. Simultaneamente com esse pedido divulga uma carta, para uns desassombrada para outros ressabiada, em que justifica o seu abandono, quer pelas dificuldades levantadas pelo Tribunal Constitucional, quer pelo fracassos repetidos da sua receita. A frase “a repetição destes desvios minou a minha credibilidade enquanto Ministro das Finanças” resume o seu estado de espírito.
2º andamento – O primeiro ministro anuncia algum tempo depois do abandono de Vítor Gaspar a chamada para o seu lugar da secretária de Estado, Maria Luís Albuquerque, até aquele momento alvo de muitas criticas pela sua participação anterior também no processo do SWAPs, contratos financeiros muito arriscados para as empresas que aceitam fazê-los.

3º andamento – Com a tomada de posse da nova ministra das Finanças  marcada para as 17 horas de terça-feira, dia 2, é conhecida cerca de uma hora antes, a demissão do Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Paulo Portas, que é também o líder do segundo partido da coligação e de que eram conhecidas reiteradas dúvidas sobre o desenrolar do processo governativo. A declaração enviada aos media por Paulo Portas confessa a ruptura definitiva com este governo e com a sua politica, referindo que Passos Coelho havia deitado a perder a grande oportunidade de relançamento do governo com a saída do ministro Gaspar

4º andamento – Surpreendentemente, apesar do que acontecera uma hora antes, o Presidente da República, Cavaco Silva, numa cerimónia  pífia dá posse à nova ministra. Entre os assistentes notava-se a ausência dos ministros do CDS, incluindo naturalmente Paulo Portas, e de um ministro do PSD. Já de manhã o Presidente da República havia desvalorizado a crise e justificado com grande displicência a alteração na composição do governo.
5º andamento – Numa comunicação ao país, pré-anunciada por fugas cirúrgicas para a comunicação social, Passos Coelho anuncia ao país que não se demite e passa as culpas para Paulo Portas, pressionando o CDS para que continue na coligação governamental, justificando a continuidade do governo e a sua expectativa de que o CDS desista da demissão.
Simultaneamente com estas sinfonias comentadores de todos os géneros dão palpites, apostam em cenários, antecipam soluções, invocam argumentos baseados em demonstrações de fidelidades, que tornam a situação ao fim da noite de terça-feira extremamente volúvel e incerta.
Na comunicação social anuncia-se a demissão dos restantes membros do CDS para quarta-feira durante a reunião da Comissão Politica daquele partido da coligação, onde Portas deverá reafirmar a sua posição de rompimento.
Os vários partidos da oposição não acreditam na reversibilidade da situação e exigem eleições antecipadas, solução que também parece ser defendida por muitos observadores mais ou menos qualificados.
Apesar da situação financeira do país, enquanto intervencionado por organizações internacionais credoras, representadas pela troika, que apesar dos reiterados erros (confessados às escondidas) não altera as suas recomendações de aprofundar as medidas penalizadoras da economia portuguesa, a situação política parece irreversível e vai exigir uma consulta eleitoral.
Tal conhecer-se-á nos próximos dias e, quem sabe se, quando este jornal chegar às mãos dos leitores, não serão conhecidos os próximos andamentos desta música a transformar-se num pesadelo de sons disformes.
Esta gravíssima crise, gerida e decidida à distância, tem deixado marcas profundas e indeléveis no tecido económico e social da nossa região,  como de todas as outras, sendo bem visíveis nas caras dos cidadãos comuns, bem como dos operadores económicos ou dos responsáveis pelas áreas sociais e da solidariedade.
A crise vem-se agravado inexoravelmente, apesar da até agora crença certa dos seus principais autores, que agora parecem reconhecer os seus falhanços, mas perante uma Europa (ainda) insensível ao que se está a passar na maioria dos países.
Só nos resta pedir neste momento a frieza e sangue frio a todos nós, que permite uma saída mais airosa da actual situação e que os lideres europeus compreendam definitivamente o mal que estão a fazer a tantos inocentes.
A cegueira ideológica ou técnica é má conselheira. E a sua repercussão vai marcar o nosso futuro por muitos anos.

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