A capacidade de os governados controlarem os governos é um princípio fundamental em qualquer democracia. Foi este o mote da intervenção de António José Seguro na apresentação do seu livro “A Reforma do Parlamento Português – o controlo político do governo”, que teve lugar na passada sexta-feira no CCC.
O pequeno auditório, que só tem capacidade para 150 pessoas, acabou por albergar cerca de 300 pessoas.
Texto e fotos: Isaque Vicente
ivicente@gazetadascaldas.pt
Sabia que até 2007, antes da reforma do parlamento português coordenada por Seguro, os deputados não eram obrigados a colocar a sua declaração de rendimentos na internet? Que o debate da nação não era obrigatório e que a audição dos ministros em comissão era decidida pelo Governo? Sabia que antes de 2007 não havia o “debate da actualidade” e que as perguntas escritas não tinham prazo de resposta? Sabia que a partir dessa reforma os eleitores passaram a poder escrutinar as presenças e faltas dos deputados pela internet, ou que o primeiro-ministro, que ia mensalmente ao parlamento, passou a ir quinzenalmente (havendo agora direito a réplica e tréplica)?
Na tese de mestrado, que culmina no livro “A Reforma do Parlamento Português”, António José Seguro tentou avaliar as consequências da reforma de 2007 no controlo político dos governos e perceber se quem exerce esse controlo é o próprio governo ou a oposição.
Começando por recordar que “em Democracia não pode haver poderes sem controlo” e que “a capacidade de os governados controlarem os governos é um princípio fundamental e estruturante de qualquer democracia”, Seguro explicou que existem dois níveis de controlo: as eleições, que acontecem de quatro em quatro anos e o controlo durante esse intervalo, que é exercido pelos parlamentos.
“No sistema português o único órgão que representa a pluralidade é o Parlamento porque o governo não tem os partidos da oposição”, afirmou Seguro. O orador alertou que quando existe um vínculo entre a maioria do governo e o Parlamento (que acontece principalmente quando essa maioria é absoluta), a maioria controla ambos.
“Que poderes tem a oposição para exercer esse poder de controlo?”, perguntou Seguro, para responder de seguida: “a Constituição define um conjunto de instrumentos, só que, em grande parte das matérias, envia para o regimento e leis específicas”. Estes são aprovados por maioria e não por 2/3 da votação, como a Constituição. Nessas situações “há uma maioria no governo, que está em maioria no Parlamento e que pode definir as regras da função de controlo”.
No caso português concluiu que depois de 2007 se registaram mais presenças de membros do governo em plenário (potestativos e obrigatórios), mais interpolações e menos debates de urgência. A presença em comissões também aumentou, tal como o número de perguntas, tendo o seu prazo de resposta diminuído, apesar de “ainda se levar muito tempo a responder”.
Seguro criticou o facto de em Portugal os governos legislarem mais do que os parlamentos, e de os partidos políticos dominarem grande parte do poder decisão.
O autor recomendou “uma vigilância sobre as maiorias conjunturais para que elas não tenham apetite no sentido de reverter estes direitos da minoria”. Criticou a cultura parlamentar no país, em que, quando se pergunta algo a um ministro, importa mais saber quem ficou melhor ou pior no debate, do que propriamente o conteúdo das perguntas e respostas.
O ex secretário geral do PS disse ainda que um líder partidário não manda a 100% no seu partido, excepto quando é simultaneamente primeiro ministro. “Porque onde antes havia crítica, passa a haver subserviência”, disse.
PARLAMENTO DE PARTIDOS OU DE DEPUTADOS?
Mas ainda não está o trabalho todo feito. “Há que garantir os direitos das minorias e exigir mais transparência aos governos”, disse, aventando, por exemplo, a possibilidade de “cada português escolher o seu deputado e não serem os partidos a ter esse monopólio”. Isto, tal como a liberdade de voto dos deputados, permitiria a responsabilização dos mesmos. “Queremos um Parlamento de partidos ou um Parlamento de deputados?”, questionou.
No final da apresentação e após ter dado muitos autógrafos, cumprimentos e fotografias, o autor disse à Gazeta das Caldas que não esperava ter tanta gente nesta apresentação. “É uma noite que jamais esquecerei”, confessou.
Quando era líder do PS e estava sujeito a uma maior exposição mediática, António José Seguro passava pouco tempo nas Caldas. Mas agora que está afastado dos holofotes da política, diz que “as Caldas são um sítio óptimo para viver”.
Tinta Ferreira, presidente da Câmara das Caldas, abriu a sessão, salientando que “para as Caldas é uma honra ter connosco uma personalidade tão ilustre, que teve um grande protagonismo na nossa vida política e que tem tido uma postura intocável que granjeia a admiração, mesmo daqueles que, como é o meu caso, do ponto de vista partidário têm outra opção”. Notando a presença de pessoas de “todos os quadrantes políticos e de quem não tem qualquer filiação partidária”, elogiou o espírito, a capacidade, a seriedade, a honestidade e a entrega à causa pública de Seguro.
Francisco José Viegas, editor da Quetzal, defendeu que “este trabalho mudou o Parlamento português e a forma como os partidos se passaram a entender, mudou a forma como os governos têm que responder”. Regozijou-se com a presença de tantas pessoas na apresentação do livro. “Em Lisboa não pudemos ver toda este gente reunida na apresentação, mas é uma coisa que deixa um editor extremamente feliz porque mostra que as pessoas estão preparadas para se reunir à volta de um livro”, considerou.
David Cruz, director da TSF, elogiou a decência, a inteligência e o fair-play de Seguro, sendo estas duas últimas “qualidades que raramente se juntam numa pessoa”. Perguntou: “como é que chegamos ao século XXI e isto ainda não estava implementado?”,































