
Participante activo no golpe das Caldas, o coronel Rocha Neves lembrou os antecedentes que levaram os militares do RI5 a marchar rumo a Lisboa, realçando que na génese destes acontecimentos estiveram, no momento crucial, motivos de natureza política, nomeadamente com o cansaço de 13 anos de guerra e a inexistência de uma solução para ela.
Volvidos 40 anos, Rocha Neves sente-se “preocupado” com o estado a que o país chegou, mas continua a acreditar que é possível melhorar. “O maior recurso que um país pode ter são as pessoas”, disse, incentivando os jovens a continuar a lutar pela democracia.
As conclusões do Congresso dos Combatentes, realizado a 1 de Junho de 1973, que indicavam que o problema da guerra colonial era militar e que a solução passava por um reforço do esforço de guerra, levou a um “pré-movimento” dos capitães nesse momento, explicou Rocha Neves. De acordo com o orador, desde inícios da década de 70, que vinham a decorrer reacções à politica vigente, sobretudo na Guiné, onde um grupo, mais tarde intitulado “spinolista”, já discutia os problemas da guerra e defendia que a “solução tinha de ser politica e não militar”.
Esse grupo haveria mesmo de tentar mobilizar militares ao serviço no território nacional para ir defender essa posição ao congresso dos Combatentes, mas sem resultado porque a organização proibiu a sua participação. Face a esta situação o grupo da Guiné decidiu promover um abaixo-assinado onde diziam que não tinham nada a ver com as conclusões que viessem a ser decididas no congresso. Uma atitude corajosa pois, como explicou Rocha Neves, “fazer abaixo assinados era uma atitude de indisciplina por ser proibido, ainda por cima com aquele conteúdo”. Por outro lado, “mostrou que, se nos uníssemos, éramos mais fortes”, completou.
Preparava-se o grupo que lançou o abaixo-assinado para iniciar reuniões e discutir o que fazer, quando é publicado o decreto nº 353/73 que reconhece o direito dos oficiais oriundos de milicianos de manterem o seu posto e a respectiva antiguidade quando tiravam o curso da Academia Militar e integravam o Quadro Permanente. Esta medida veio provocar um “mal estar” especialmente entre os militares provenientes da Academia, devido à desigualdade existente na duração e conteúdo dos cursos e porque “as autoridades governativas desrespeitavam um dos mais tradicionais critérios de avanço na carreira tradicional”, explicou.
Estavam assim criados dois grupos dentro do corpo de oficiais das Forças Armadas, por um lado, os oriundos de cadetes que viam neste decreto mais um “sinal da inépcia” do governo para resolver o problema colonial e, por outro, os milicianos que pretendiam a valorização do seu esforço. O decreto aumenta o descontentamento que já começava a haver no corpo de oficiais e o debate político surgiu com mais clareza quando estes “reconheceram que a questão dos decretos constituía, apenas, uma exigência da política de guerra opressiva que o governo português insistia em manter”, referiu o orador.
As reuniões clandestinas
De acordo com Rocha Neves as razões que levaram os militares a revoltar-se são de natureza política e prendem-se com o cansaço de 13 anos de guerra e a inexistência de uma solução para ela, refutando a ideia de que o 25 de Abril foi originado por motivos de ordem corporativa.
Descontentes com a situação, os militares começaram a reunir clandestinamente. A 9 de Setembro de 1973 juntaram-se em Alcáçovas 136 capitães e oficiais subalternos numa primeira grande reunião a nível nacional, seguindo-se uma segunda em S. Pedro do Estoril, a 24 de Novembro de 1973, com a presença de cerca de 40 oficiais. De destacar que neste segundo encontro estiveram já oficiais superiores, entre eles o tenente-coronel Luís Banazol que a dada altura terá dito: “isto não vai lá com papéis, é que é preciso é uma revolução e tem que se fazer imediatamente”. De acordo com Rocha Neves, a primeira reacção nos presentes foi de “exclamação interior”, seguida de aplausos. No entanto, desta reunião nada saiu de concreto por “ser ainda muito prematura a organização”.
Em Óbidos decorreu a terceira reunião e uma das principais na preparação do golpe militar do 25 de Abril, organizada pelo RI5 das Caldas da Rainha. Numa altura em que o “Movimento de Capitães vivia o problema da sua afirmação”, com este encontro onde estiveram presentes 180 oficiais, o movimento “consolidou-se e evoluiu de forma acentuada”, explicou Rocha Neves. No entanto, até Abril desse ano, ainda teve que passar por alguns constrangimentos de percurso, especialmente até meados de Março, com a apresentação dos oficiais generais (“brigada do reumático” como foi apelidada na altura) ao primeiro-ministro Marcelo Caetano, jurando-lhe lealdade do Exército. Na reunião de 5 de Março, em Cascais, foi aprovado o pré-programa do movimento das Forças Armadas e é decidido fazer o golpe militar. Este encontro contou com a presença de cerca de 180 oficiais, representando mais de 400, dos dois grupos – oficiais oriundos de milicianos e de cadetes.
Rocha Neves contou ainda aos presentes, de forma efusiva, como se desenvolveram os acontecimentos no quartel das Caldas durante a noite e madrugada de 16 de Março, altura em que partiram rumo a Lisboa para ocupar o aeroporto. Orgulhoso de ter participado no golpe das Caldas, Rocha Neves, partilhou ainda alguns episódios mais caricatos que se passaram naquele dia, como o caso do taxista que queria furar a coluna para chegar a horas ao aeroporto, ou do funcionário da Câmara que foi, de bicicleta, ao quartel fechar a água e não se apercebeu que a unidade estava sublevada.
Jovem realça “coragem e ousadia” dos militares
Presente na cerimónia evocativa esteve também Cátia Rodrigues, de 23 anos, que frequenta o curso de Relações Humanas e Comunicação Organizacional, no Instituto Politécnico de Leiria (IPL), e que, como é natural, não presenciou os factos.
A jovem destacou a “coragem e ousadia” dos militares e falou dos problemas que o país atravessa, 40 anos volvidos. “Torna-se revoltante ver que muito dos nossos políticos, muitos dos homens que deviam ter guiado Portugal para outro caminho, acabaram por colocar a nossa nação numa posição confrangedora, à mercê dos países mais poderosos”, criticou.
Cátia Rodrigues falou da incompetência que tem havido ao longo dos últimos 40 anos por parte dos dirigentes políticos, que leva a que muitos jovens tenham que emigrar.
Pedindo aos presentes para reflectir sobre o assunto, a jovem perguntou se não está a fazer falta às gerações mais novas o “pulso de ferro que muitos dos homens tiveram naquele princípio da década de 70?”. Para Cátia Rodrigues é preciso remediar o que está mal, até para honrar “os homens de coragem” de 1974.
Fátima Ferreira
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