“O CETA serve para defender o interesse das grandes empresas. Não os cidadãos.”

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Ameaça: a saúde pública, o ambiente, a segurança alimentar, as PME, a economia. Mas sobretudo a democracia. É este o ponto de vista da Plataforma Não ao Tratado Transatlântico, que é contra o CETA – o acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Canadá, aprovado no Parlamento Europeu em Fevereiro deste ano.
A convite da Associação MVC – Movimento Viver o Concelho, vários membros desta plataforma estiveram nas Caldas no dia 21 de Abril, expondo os problemas que o tratado poderá vir a trazer ao país e à Europa. Menos mal que a pêra Rocha do Oeste é um dos 20 produtos nacionais que integra a lista dos produtos protegidos pelo CETA, pelo que esta marca continuará a não poder ser copiada em mais nenhuma outra parte do mundo

 

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O CETA visa facilitar o comércio entre a União Europeia e o Canadá. Para isso propõe reduzir as taxas aduaneiras, flexibilizar as regras e padrões de qualidade e segurança alimentar ou mesmo propiciar a exploração de hidrocarbonetos nos países da UE através do fracking (tecnologia de extracção nociva para o ambiente). Prevê ainda um mecanismo de justiça paralelo – tribunais arbitrais privados – para resolver os conflitos que possam surgir entre as empresas e os Estados, colocando os interesses das multinacionais acima das leis governamentais. Isto porque uma empresa pode processar um país se considerar que a sua legislação prejudica a maximização dos lucros, mas esse Estado não se pode sequer salvaguardar no Tribunal Europeu de Justiça.
São estes os principais contras do CETA apontados pela Plataforma Não ao Tratado Transatlântico. “Na nossa opinião este tipo de tratados é corporativo pois serve precisamente para favorecer as grandes corporações: tudo quanto é dar direitos e privilégios às grandes empresas está explicito no CETA. Defendem-se os seus interesses e não os dos cidadãos”, disse José Oliveira, representante da Plataforma. Este acrescentou que a organização surgiu há cerca de três anos, constituída por cidadãos, tendo como primeira iniciativa reunir o máximo de documentos sobre o CETA (e outros tratados semelhantes, como o TTIP e TISA) porque “a maioria da população desconhece completamente este tema”.
O CETA esteve em negociação durante oito anos e foi recentemente aprovado no Parlamento Europeu. Mas para avançar é necessário ainda que seja ractificado por todos os parlamentos dos 28 estados membros da UE. A nível regional, as autarquias e juntas de freguesia podem ainda posicionar-se como “zonas livres” do CETA: actualmente 2100 na Europa e 12 em Portugal já deram este passo.
Dos 170 produtos da UE protegidos pelo tratado, 20 são portugueses e um deles é a pêra Rocha do Oeste. Outros são, por exemplo, a ameixa d’Elvas, o ananás dos Açores, a linguiça de Vinhais, o queijo da Serra da Estrela e o presunto de Barrancos. Isto significa que estas marcas continuam a ser exclusivas e mais dificilmente se encontrarão tentativas de cópias no resto do mundo. No entanto, estes 170 produtos protegidos pelo CETA é ainda muito inferior ao que vigora hoje em dia sem o acordo: 4800.
Mas aquilo que mais preocupou o público presente no debate é a possibilidade de deixar de existir informação sobre os produtos alimentares. “Não me importa se o produto é português ou americano, quero é saber qual a sua origem e se cumpre ou não efetivamente os critérios de qualidade e segurança alimentar para poder fazer a minha escolha”, disseram várias pessoas. Isto porque o sistema de rotulagem em Portugal é muito diferente do Canadá ou Estados Unidos.
“Nestes países, as multinacionais conseguiram manipular os rótulos e impedir, por exemplo, que estes mencionem se o alimento é ou não geneticamente modificado”, alertou José Oliveira, salientando que no Canadá os animais também são alimentandos com hormonas e antibióticos em doses proibidas na Europa.
Ora, fica a pergunta: como vão os produtores nacionais conseguir competir com carne que cumpre parâmetros de qualidade muito mais baixa e, por isso, também tem um preço de venda mais reduzido?
“Se as empresas se virem obrigadas a reduzir muito os seus preços, a longo prazo veremos portas fechadas e pessoas na rua sem emprego”, afirmou o activista da Plataforma, dando como exemplo o caso da carne de porco. Actualmente a Europa tem uma quota de importação de porco de 5 mil toneladas por ano, mas este valor poderá subir para 80 mil toneladas a partir da implementação do CETA. Isto com a agravante que só em Portugal já se verifica um excedente de 15% desta proteína animal.
Preocupada com o impacto deste acordo na saúde pública e ambiental, Teresa Serrenho, dirigente do MVC, chamou a atenção para o risco “do aumento de usos de pesticidas na agricultura com o objectivo de tornar as culturas mais rentáveis e competitivas com o mercado externo”. Sobre este assunto, José Oliveira adiantou que – embora o CETA ainda não esteja em vigor – “já são os próprios produtores europeus que neste momento pressionam os governos para flexibilizarem a regulamentação relativamente ao uso de químicos”.
Um dos argumentos mais utilizados em defesa do CETA é que o tratado contribuirá para o crescimento económico dos países, principalmente devido ao aumento (e facilidade) das exportações. A Plataforma Não ao Tratado Transatlântico contraria este facto, realçando que o único estudo realizado sobre o impacto do CETA ao nível do emprego foi feito na Áustria e concluiu que 4300 postos de trabalho ficariam em risco.
Os activistas comparam ainda o CETA ao NAFTA (acordo de livre comércio entre Estados Unidos, México e Canadá ractificado em 1994), defendendo que os tratados têm estruturas semelhantes e que neste caso, embora os três países tenham aumentado o volume de exportações, esse crescimento traduziu-se em ganhos económicos muito reduzidos.
José Oliveira alertou ainda para o facto do CETA ser regulamentado pelo princípio da concorrência e do mercado livre, o que levará à extinção da diversidade empresarial. “Em Portugal 90% do tecido empresarial são pequenas e médias empresas, logo vamos ser um dos países mais prejudicados pois estas não têm capacidade para baixar os custos de produção como as grandes empresas”, frisou.
O debate “As implicações do CETA nas comunidades locais” realizou-se na União de Freguesias Nª Sra. do Pópulo, Coto e S. Gregório e integrou o ciclo de encontros mensais “21 às 21”, promovido pela Associação MVC – Movimento Viver o Concelho.

Doze autarquias livres do CETA em Portugal

São zonas livres do CETA em Portugal os concelhos de Évora, Faro, Loulé, Loures, Salvaterra de Magos, Palmela, Mértola e São Brás de Alportel e as freguesias de Famões, e Pontinha (Lisboa) e Ramada e Caneças (Odivelas).
Nas Caldas da Rainha, ao que parece, não há ainda uma grande percepção acerca das vantagens e riscos deste acordo. Teresa Serrenho, do MVC, disse no encontro “21 às 21”, dedicado à discussão do CETA, que costuma sempre convidar os autarcas para estes eventos, mas que fez questão de dar especial ênfase no último convite devido à importância do tema pela sua aplicabilidade local. Contudo, nenhum compareceu.

M.B.R.

 

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