“A cidade voltou as costas às suas termas porque nos últimos 40 anos não houve regeneração urbana”, disse o historiador João Serra

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Com o entendimento de que as soluções devem ser participadas, o PS das Caldas realizou no passado dia 18 de Maio mais um debate sobre o Hospital Termal e as questões ligadas ao termalismo. Esta sessão contou com a participação do historiador João Serra, que fez uma viagem pela história daquele hospital, desde que foi construído por vontade de uma rainha, até à actualidade, em que a “cidade voltou costas às suas termas”.
Também orador neste debate, o candidato à Câmara das Caldas pelo PS, Rui Correia, abordou os preconceitos que existem em relação ao tratamento termal e a “impreparação” da autarquia e administração do CHO para lidar com esta situação.

Para o historiador João Serra, a cidade “voltou as costas” às suas termas, à sua identidade, ao cosmopolitismo e ao espaço público, como integrador por excelência. O também presidente da Fundação Cidade Guimarães revelou que ao longo dos anos foram feitos vários festivais, mas nenhum teve como tema central as águas.
“A cidade voltou as costas às suas termas porque nos últimos 30 a 40 anos não houve regeneração urbana e o que estamos a assistir hoje é um simulacro de regeneração urbana”, disse, acrescentando que a gestão não dispensa uma concepção dos lugares em função das práticas sociais.
João Serra partilhou várias notas de carácter histórico para contextualizar como se chegou à actualidade e dando a conhecer como se formou todos aquele património físico e imaterial.
O historiador começou por recordar que a constituição do património do Hospital teve origem numa doação da Rainha D. Leonor, sancionada pelo rei, seu irmão, D. Manuel. Este património veio a ter incorporações decorrentes de aquisições e testamentos de doentes que doaram os seus bens ao Hospital Termal
E, se até ao século XIX, o Hospital Termal teve um modelo de gestão de senhorios, a extinção dos direitos de foral decretada por Mouzinho da Silveira levaram a que este fosse integrado no património do Estado e passou ter um administrador nomeado pela tutela.
Nos anos 20 do século XIX Isidoro Alves de Aguiar deixou ao Hospital Termal rendimentos de uma marinha em Alhos Vedros para fazer um novo hospital, que tratasse as doenças gerais. Inicialmente a aplicação desses rendimentos centraram-se numa enfermaria geral, mas depois pensou-se em criar um novo hospital fora da vila. O Hospital de Santo Isidoro é construído nos anos 90 do século XIX com os bens do benfeitor e das irmandades e confrarias, que entretanto tinham sido extintas.
A partir de 1910 “a República entendeu que o Hospital de Santo Isidoro não devia ser administrado pelo Hospital Termal, que não tinha vocação para isso, e que deveria ser a Câmara a fazê-lo”, recordou João Serra, acrescentando que esta virá a confiar a sua gestão à Misericórdia das Caldas, na década de 40.
Depois de duas décadas de gestão, nos anos 60 do século XX, a Misericórdia devolve o Hospital de Santo Isidoro ao Estado e o centro hospitalar passou a agregar todas as unidades hospitalares.
Para alem das águas quentes, nas Caldas existiu também o Balneário das Águas Santas, com águas termais frias. Este era explorado pela autarquia, mas que demonstrou ter “falta de competência” na gestão, tendo vindo a encerrar.
Nos últimos 50 anos houve muitas alterações na cidade e na sua relação com o termalismo. E, se até aos anos 20 do século passado o Hospital Termal teve várias incorporações, a partir de então foi sendo desanexada grande parte do seu património, como a Rua de Camões, a antiga escola industrial, a antiga GNR, o Campo da Mata, o Museu Malhoa ou o Hospital Distrital, entre outros. Os Pavilhões do Parque acolheram a PSP, o liceu, a escola do magistério e pólo da Escola Superior de Educação de Leiria e a Escola Técnica Empresarial do Oeste, sempre em instalações provisórias que deixaram o edifício não qualificado, revelou João Serra.
Também no campo imaterial não se registaram contrapartidas, tendo João Serra lembrado que, por exemplo, não houve uma política de arquivos nem museológica.
“Não creio que se tenha antecipado a crise do termalismo”, disse João Serra, que considera  que se “reagiu aos solavancos e nunca se estudou e planeou soluções”. O orador destacou, contudo, o plano protagonizado pelo administrador Mário Gonçalves no final dos anos 80 e principio da década de 90, que consistia na ligação das termas ao turismo e não apenas ao Serviço Nacional de Saúde.

Necessidade de um novo compromisso

O candidato à Câmara das Caldas pelo PS, Rui Correia, questionou até que ponto se pode considerar admissível que o Hospital Termal e o seu património saia do Ministério da Saúde. O também vereador começou por falar dos “preconceitos” em torno do termalismo enquanto ciência e da relação entre o privado e o público.
No que respeita à possibilidade de a autarquia ser a herdeira daquele legado, Rui Correia refere que os caldenses “desconfiam” da sua actuação, uma vez que “a apropriação da Câmara em tudo o que fosse mais sensível teve sempre interesses imobiliários”. O autarca deu mesmo como exemplo a prevista ampliação do Museu da Cerâmica para dentro do Parque, questionando se essa “não será uma nova voragem em relação ao património?”
Rui Correia falou da injustiça com que têm sido “vilipendiados” alguns administradores do Centro Hospitalar e de se julgar o passado “com um presente tão contingente”.
O autarca falou também de impreparação, referindo-se à autarquia e administração do CHO. No que respeita à primeira, fez notar uma ausência completa de relação funcional com a administração do Hospital, dando como exemplo as dificuldades de relacionamento para a execução das obras de regeneração.
Relativamente à actual administração do CHO, Rui Correia criticou o facto de esta tomar decisões sem escutar as pessoas envolvidas e a distância que criou com a população da cidade.
O orador defendeu a necessidade de haver um novo compromisso para o Hospital assente numa estratégia que passa pelos recursos, produto e responsabilidade social.

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Fátima Ferreira
fferreira@gazetadascaldas.pt

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