ZÉ DAS PAPAS

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A mesa real

Na semana passada o até então Filipe, Príncipe das Astúrias, foi proclamado Rei e é hoje Filipe VI de Espanha!
A minha curiosidade não me levou a indagar qual terá sido o cardápio do banquete respectivo, se é que o houve…
Do nosso lado já cá tivemos três dos Filipes de Espanha, II, III e IV! As casas reais ibéricas andavam “entrelaçadas” e daí os aludidos Filipes.
Fui à procura do relato – melhor seria chamar-lhe passo da crónica… – que Garcia de Resende fez dos “festejos do casamento do Príncipe herdeiro de Portugal, D. Afonso (Lisboa, 1475 – Almeirim, 1491) com a Infanta de Castela e Aragão, D. Isabel (Dueñas, 1470 – Saragoça, 1498), ele, filho do soberano reinante D. João II e da Rainha D. Leonor de Lencastre, ela dos Reis Católicos de Espanha”.
Tais festejos decorreram na Sala de Madeira, pavilhão em madeira, quer dizer temporário, especialmente construído, para o evento, em Évora,1490.
Esta minha ciência fui buscá-la ao “Caldo de estórias com letras” que Vítor Vlademiro Ferreira escreveu para o então Instituto de Formação Turística.
Retomando Garcia de Resende e os aludidos festejos: “E logo à entrada da mesa veio uma grande carreta dourada, e traziam-na dois grandes bois assados inteiros, com os cornos e as mãos e pés dourados, e o carro vinha cheio de muitos carneiros assados inteiros com os cornos dourados, e vinha tudo posto num cadafalso tão baixo com rodelas por fundo dele, que não se viam, que os bois pareciam vivos e que andavam.
E diante vinha um moço fidalgo com uma aguilhada na mão, picando os bois, que parecia que andavam e levavam a carreta, e vinha vestido como carreteiro com um pelote, um gabão de veludo branco forrado de brocado, e assim a carapuça, que de longe parecia próprio carreteiro, e assim foi oferecer os bois e carneiros à Princesa, e feito o serviço os tornou a virar com sua aguilhada por toda a sala até sair fora, e deixou tudo ao povo, que com grande grita e prazer foram espedaçados, e levava cada um quanto mais podia.
E assim vieram juntamente a todas as mesas muitos pavões assados com os rabos inteiros, e os pescoços e cabeça com toda sua pena, que pareceram muito bem por serem muitos, e outras muitas sortes de aves e caças, manjares e frutas, tudo em muito grande abundância e muita perfeição…”
Como “traduz” Vladmiro Ferreira ao escrever cadafalso, Garcia de Resende referia-se a estrado de pouca altura com rodas, para dar a ilusão que os bois andavam pelas próprias patas; aguilhada significava vara com ponta de ferro – o pampilho dos campinos – com que se conduz o gado; pelote era capa forrada com pele.
Trago-lhes este episódio histórico como mais um registo da importância da mesa.
À mesa se fizeram a guerra e a paz; a mesa foi, de certo, o “veículo” civilizacional mais glozado e em que melhor nos revemos.

João Reboredo
joaoreboredo@gmail.com

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