Zé das Papas

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Comidas de borda d’água
A propósito do relançamento, agora em moldes de “crise”, de uma iniciativa gastronómica que ocorreu na minha terra de adopção, a Costa da Caparica, em 1998, e do lançamento de um livro, o quarto, este de memórias, de um Caparicano de “torna viagem”, o Mário Silva Neves, fiquei a pensar, ao folhear aquele compêndio da história local, na necessidade absoluta de guardar para os vindouras a “estória” das nossas terras e gentes.
Por ocasião da referida iniciativa original – os Comeres Caparicanos, publicou-se mais uma edição da Grande Mesa, e nela se escrevia: “E aqui estamos para lhes voltar a oferecer as petisqueiras cá do sítio. Andamos animados. O nível de poluição do Tejo desceu o necessário para voltar a ter rabetas (vulgo corvinas de mais ou menos dois quilos) no mar da Costa e por isso podermos oferecer-lhes um dos pratos locais de que muito gostamos: a corvina com ervilhas.
Já não temos ervilhas da Fonte da Telha que, por serem de terras de areia, fertilizadas a apara-lápis (outro peixe miúdo que dá à Costa), eram mais doces do que as comuns.
Paciência… Mas temos petingas de alhada, sopa de carapau (que até faz o comensal suar), choco de pitáu (a nossa corruptela do pitéu de Ílhavo) e muitos outros.
Não temos tradição doceira. O convento local era habitado por frades arrábidos, gente de alimentação frugal e, ao que sabemos, não nos deixaram vestígios de doces.
Mas a nossa pastelaria dá cartas.
Quando a Costa foi “inventada“ para o turismo apareceram estabelecimentos ligados a casas da melhor tradição lisboeta.
E ainda hoje há pastelarias em Lisboa, onde os claudinos – que o “Papa-Seco” e o “Costa Nova” fabricavam – se chamam caparicanos.
O vinhito é da região: continuaremos a servir um palmelão bem comportado! Meus amigos, bom apetite.”
Mantendo o espírito dos Comeres Caparicanos, e sem ser possível – dadas as verbas envolvidas – copiar o modelo de então, vamos ao longo do ano voltar a tê-los, em edições quinzenais, desta vez nos restaurantes da Costa.
Mais uma vez a gastronomia caparicana será interpretada pela franja do tecido económico e turístico da Costa da Caparica, que tem a responsabilidade de representar e prestigiar a terra que escolheram para singrar.
Homenageia-se, também, a comunidade piscatória, primeira depositária do receituário tradicional.
O evento tem o apoio da Entidade de Turismo da Região de Lisboa, que “sucede” à da Costa Azul e da Comissão Vitivinícola Regional da Península de Setúbal, que assegura, depois, do palmelão bem comportado de outrora, termos hoje vinhos com muita identidade, conquistada através da modernização das adegas dos operadores locais e, de viticultores e enólogos que souberam tirar partido das castas melhoradas que hoje vegetam na grande maioria das vinhas da região. É, inclusive, uma das regiões vitivinícolas que mais vinho produz com certificação de origem (acima de 70% da produção total) e das poucas regiões que continua a subir na cota de mercado nacional.
A primeira quinzena já a decorrer tem como iguarias as petingas de alhada e a corvina com ervilhas.

João Reboredo
joaoreboredo@gmail.com

 

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