Coincidências
Aqui há atrasado vi-me publicado, na mesma página, ao lado de um colaborador antigo da Gazeta, de quem não conheço mais do que o nome e o “facies” estampado. Por coincidência, naquele número, versava um livro sobre o tema de que me ocupo – a culinária. Curioso, fui espreitar o artigo. Nele se referia a figura de António Marrare e o seu bife. E como a informação constante do artigo não coincidia com a que guardo, fui rever a matéria.
Como declaração de interesses começo por declarar que as minhas escrevidelas gazeteiras são exercício egoísta para a minha cabeça, com vista a tentar sistematizar conhecimentos e afastar o alemão, dito Alzheimer.
Visto isto, ataque-se o bife. O dito Marrare seria, para alguns, galego de refinado bom gosto que abriu em Lisboa vários estabelecimentos com o seu nome. Para outros, categoria em que me incluo, era napolitano e veio para Portugal servir o Marquês de Abrantes, como copeiro. A “má língua”refere que, por o dito nobre ter deixado de lhe pagar, veio abrir os tais restaurantes. A biografia “oficial”, tal como a conheço é a seguinte:
“Marrare – nome do café localizado na Rua Garrett, ao Chiado, que deu brado na Lisboa da Regeneração; em verdade, nome de vários cafés fundados pelo napolitano António Marrare – empresário do Teatro S. Carlos entre 1825 e 1828 – e de que os mais célebres foram o “Marrare de S. Carlos” (1801-1844), na esquina da Rua Anchieta com a Rua Capelo, o “Marrare do Cais de Sodré” (1809-1827) na Travessa dos Remolares, o “Marrare da Rua do Bandeira”, o Marrare das Sete Portas 1804-?) na esquina da Rua de Sta. Justa com a Rua dos Sapateiros – que se celebrizou por ter sido aí que se apresentou ao público o famoso bife à Marrare – e, o primeiramente citado e o mais famoso, “Marrare do polimento” (1819 – 1866), assim conhecido em virtude de ser forrado de madeira polida e que, após a morte do proprietário fechou as suas portas. O prestígio do Marrare era imenso como, aliás, Júlio César Machado documenta ao localizar no café o primeiro capítulo de “A Vida em Lisboa – Romance-contemporâneo 1ª. ed, 1857”.
No que todos coincidem é na excelência do dito bife, do pojadouro (150/200 grs.), na receita conhecida como original – capitação, que os nutricionistas, hoje, consideram um exagero.
Mandava a mesma derreter duas colheres de sopa de manteiga numa frigideira de ferro, e colocar o bife a alourar dos dois lados, operação que deverá ser bastante rápida para que os sucos da carne não saiam. A seguir temperar com sal grosso e pimenta moída. Escorrer a gordura em que o bife fritou, conservando o bife na frigideira e juntar a restante manteiga. Reduzir o lume e adicionar as natas até engrossar o molho, agitando sempre a frigideira. Servir acompanhado com batatas fritas aos palitos.
O local de nascimento deste bife, um café, foi o “responsável” pelo nome de outro semelhante, cuja designação se deve ao local onde era tradicionalmente servido – o chamado bife à café.
No Bife à Café, o molho é feito, não com natas mas com leite, e leva um pouco de mostarda e limão.
Também sobre as semelhanças há divergências…
João Reboredo
joaoreboredo@gmail.com
































