Viver num mundo em mudança…

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Isabel Xavier
professora

Nasci em dezembro de 1957 e, quando penso como eram os costumes e o modo de pensar na minha infância e adolescência e como são agora, sinto em mim um enorme espanto, tal a magnitude e a profundidade da transformação ocorrida.
Lembro-me de já há muitos anos ter lido um ensaio que defendia que a sociedade portuguesa era uma das que viveram transformações mais profundas na década de setenta do século XX. Segundo o autor desse ensaio, de quem não recordo o nome, essa situação devia-se à conjugação de três fatores: o 25 de Abril de 1974, a vinda para Portugal dos “retornados” das ex-colónias e a influência das telenovelas brasileiras. A crer nesta ideia, eu vivi um tempo de grandes transformações, as quais, pressinto-o, já se insinuavam em “pequenas” alterações anteriores.
Rebuscando “o baú das memórias”, procuro na instituição onde mais tempo estudei, o colégio Ramalho Ortigão, os sinais dessa mudança, antes da mesma ocorrer. Fui para o colégio logo na escola primária. O diretor era o Padre Albino. Dele recordo, a par do medo que lhe tinha, o esforço dele para influenciar rapazes para uma possível, mas improvável, carreira eclesiástica, tornando-os acólitos e levando-os a frequentar retiros em Penafirme. Recordo também os longos e impressionantes rituais que se realizavam, no seu tempo, e sob sua orientação, na Igreja de Nossa Senhora da Conceição, com abundantes encenações litúrgicas e muito incenso à mistura.
No seu tempo, no colégio, um rapaz e uma rapariga não podiam percorrer a ladeira de acesso à escola juntos, ou pelo menos eram chamados à atenção por isso e instados a alargar o tamanho do grupo em que se inseriam. No seu tempo, o colégio possuía um sistema de som destinado a emitir música sinfónica durante os intervalos. No seu tempo, o padre Albino escolheu a minha turma para dar aulas de Religião e Moral e nós passávamos essas aulas a ler os Evangelhos, de pé, cada um na sua vez, sem gaguejar e, depois, a comentá-los, ou melhor, a ouvir respeitosamente o seu comentário. Era um místico e acabou por ingressar num mosteiro de frades cartuchos, em Évora.
A nossa surpresa foi enorme, tal como a nossa alegria, quando soubemos que o Padre Xico (penso que ele assinava deste modo) o vinha substituir. O Padre Xico inaugurou um novo ciclo na vida do colégio, mais livre. A música passou a ser ligeira, os percursos a caminho da escola passaram a ser percorridos na companhia que mais nos agradasse, os professores contratados no seu tempo eram bastante diferentes do habitual, do púlpito cheguei a ouvi-lo questionar o celibato a que os sacerdotes estavam obrigados.
Era um padre moderno que modernizou o colégio que, dali a muito pouco tempo, deixou de cumprir as funções para que havia sido criado, funcionando apenas como escola primária e como jardim-escola, devido à criação da Escola Secundária das Caldas da Rainha, atual Escola Secundária Raul Proença. Foi aí que estudei nos últimos anos do ensino secundário, exatamente quando se deu o 25 de abril de 1974. ■

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