Alberto Costa
advogado
E aí está março. A quem ande pela região há-de bater-lhe à porta, seja por que via for, alguma evocação do movimento que a 16 de março de 1974 partiu das Caldas da Rainha – esse contributo militar que, apesar do insucesso, prenunciou e contribuiu para a vitória no 25 de Abril, logo a seguir. Os participantes nesse movimento, impelidos pela longa duração duma guerra colonial sem horizonte (1961-1974), ousaram desafiar a ordem estabelecida. E porque não triunfaram, muitos deles foram presos… felizmente por pouco tempo, porque o regime pouco mais duraria.
Mas não é nada garantido que idêntica atenção recebam os «contributos civis» que também daqui provieram, nesse período, para a luta pela democracia. Por razões explicáveis, lembramo-nos mais das acções «fardadas» e deixamos frequentemente na penumbra, quando não no esquecimento, os que, sem uniforme, em tempos sombrios, correndo repetidamente riscos sérios, mantiveram vivos os ideais democráticos. Fizeram-no numa sociedade censurada, politicamente policiada, onde a desinformação era ativamente prosseguida e a indiferença e a apatia grassavam, suportando as perseguições da PIDE e outras formas de discriminação e repressão.
No período a que corresponde a duração da guerra colonial, nomearei, por isso – e por todos os que se ergueram pela democracia – aqueles que deram a cara nas listas que desafiaram o regime nos períodos «eleitorais», esses simulacros que a vitória dos aliados sobre o nazifascismo impôs à ditadura (sim, até aí nem círculos «eleitorais» o Estado Novo previa!).
Tal como os militares que em Março de 1974 levaram as Caldas ao historial dos pronunciamentos contra o regime, foram eles que levaram as Caldas e a sua região às listas pró-democracia no círculo «eleitoral» de Leiria, instituído em 1945.
Também eles, no momento, não «triunfariam». Só que sabiam-no bem desde a primeira hora: estavam lá pela democracia, que não tínhamos, a reivindicá-la para um dia a termos.
Em 1961, foi assim com José Constantino Correia da Rosa (1917-1999); em 1965, com António Maldonado Freitas (1910-1975); e em 1973, com Custódio Maldonado Freitas (1917-1994).
As referências democráticas de proximidade são âncoras que a memória, individual e colectiva, deve activamente preservar. Perdê-las – ainda que apenas na forma suave de tolerar que isso aconteça – é ficar sempre em pior condição para manter o rumo num mundo de multiformes ameaças às práticas democráticas dignas desse nome. ■

































