Vai uma loura ou uma ruiva?

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Um episódio curioso durante a nossa recente estadia na zona das Caldas trouxe-nos à memória a história da génese e do crescimento duma das mais populares e conceituadas marcas de cerveja do Québec actual.
No noite do último sábado de Setembro, depois dum agradável jantar num dos restaurantes que preferimos na zona, não só pela qualidade da comida como ainda pelo tipo de atendimento (apesar de na altura se encontrar completamente cheio, como se duma cálida noite de Agosto se tratasse) e a que se junta, a deslumbrante vista sobre a baia que se obtém a partir do local, o único que está instalado sobre o areal da praia de São Martinho, durante a agradável conversa com os nossos acompanhantes falámos da surpresa que ficara estampada no rosto da jovem empregada, quando, um pouco a brincar e com um sorriso cúmplice, lhe perguntámos que tipo e marcas de cerveja nos podia oferecer.
A resposta, com a retribuição do sorriso, mas sem disfarçar um ligeiro sentimento de culpa, foi:
– Aqui só temos…….
O resto da frase é certamente conhecido pelos habitantes da zona, e não o vamos repetir. Acabávamos mais uma vez de realizar quanto as sociedades que melhor conhecemos estão distantes uma da outra, não só pela separação natural, operada pelo grande oceano, bem como por tudo o resto.
No Québec, qualquer restaurante com autorização legal para vender bebidas alcoólicas tem normalmente à disposição do cliente, não apenas, vinhos importados de todos os países produtores, incluindo Portugal, obviamente, mas igualmente diversas marcas, cores e sabores de cervejas locais, nacionais e de importação. E ao mencionarmos aos nossos acompanhantes que alguns restaurantes são até reconhecidos pela marca de cerveja que fabricam, e perante a estupefacção e dúvidas dos nossos amigos, sobre a qualidade das mesmas, (eventuais reminiscências do antigo «vinho a martelo» português?), tivemos de explicar que a nossa ASAE já anda no terreno, e de forma bem activa, há muitos anos. Sabemos também, no entanto, que uma das actividades preferidas nesta altura do ano, por algumas comunidades de imigrantes na América do Norte, a portuguesa, italiana e a helénica sobretudo, é o fabrico de vinho caseiro a partir de mosto ou uvas, importados geralmente da Califórnia. E se este tipo de vinho não entra por norma na nossa mesa, tal não impede que é bastante apreciado por muitos dos nossos clientes e amigos.
É aqui que chega a altura de falarmos duma das marcas de cerveja que preferimos no Québec, a Boréal. Estamos em Maio de 1988 a uma centena de quilómetros a norte de Montreal, na região das montanhas das Laurentides, na pitoresca cidade de Saint-Jerôme, e aí, entre duas pistas de esqui de alta montanha, Laura Urtnowski e Bernard Morin, um jovem casal, ambos detentores dum diploma de estudos superiores em história que não lhes servia para nada, qualquer deles com muitas ideias mas muito pouco dinheiro, após uma experiência de trabalho numa pequena empresa que se dedicava ao fabrico de cerveja, decidiram lançar-se na aventura da criação duma marca própria. Nasce assim a Brasseurs du Nord ,  (Cervejeiros do Norte), que inicialmente produzia apenas cerveja em barris, a Boréale Ruiva, nessa fase apenas vendida a copo nos restaurantes e bares do nosso bairro do Plateau Mont-Royal e na zona onde era produzida.
O sucesso foi de tal ordem, que um dos fundadores da marca, partiu para aperfeiçoar os seus conhecimentos na cidade de São Francisco, na Califórnia, junto duma das mais conceituadas marcas de micro cervejaria dos Estados Unidos. Terminada a experiência americana, decidiram procurar os investimentos indispensáveis à prossecução e aumento do volume de negócios no Québec. Hoje, a Boréale, é mais uma das variadíssimas marcas de cerveja que encontramos à nossa disposição, não só em qualquer supermercado, mas também em todos os restaurantes com licença para vender bebidas alcoólicas no Québec.
Sabendo que uma vasta parcela da população portuguesa é apreciadora duma boa cerveja, e numa altura em que o desemprego atinge níveis nunca antes vistos, não estarão criadas as condições para o aparecimento de novas marcas e sabores cervejeiros que possam ir além das estafadas louras e pretas, Sagres e Super Bock, que dominam de forma ultrajante o mercado português nos bares e restaurantes comuns? Em todos os países do Norte da Europa e da América, as pequenas e, as micro cervejeiras, coexistem com as grandes multinacionais. Como no exemplo da nossa Boréale, será que não haverá em Portugal dois jovens com capacidade criativa, formados ou não, em história ou noutro curso qualquer, com um gosto pela iniciativa privada suficientemente desenvolvido para iniciar algo do género, e que faça calar todos aqueles que dizem ser o português médio, alguém com alta aversão ao risco? O mercado existe, a empresa não será fácil, mas quem sabe se este exemplo quebequense não poderá servir para Portugal? Normalmente é nos momentos difíceis que as melhores ideias despontam, e até já nos apercebemos recentemente, que existem por aí alguns, poucos, casos isolados de micro cervejarias. E quem sabe se da próxima vez que atravessarmos o Atlântico, numa qualquer ida ao restaurante, o diligente empregado nos apresenta, além do habitual menu do dia e da carta de vinhos, uma variada escolha de marcas e sabores de cervejas.

J.L. Reboleira Alexandre

jose.alexandre@videotron.ca

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1 COMENTÁRIO

  1. Residi durante alguns anos em S. Martinho e conheço o referido restaurante.
    Em relação às cervejas o mercado Portuga está aos poucos a evoluir e já podemos encontrar algumas cervejas artesanais, mais precisamente as SOVINA (Porto), Vadia (Oliveira Azemeis) e ROLLS BEER (Pombal).
    De qualquer forma, actualmente também o mercado das cervejas ditas diferentes, já começou a ganhar espaço no mercado e podem ser encontradas em alguns estabelecimentos e hipermercados, e as empresas como a Sagres e a Super Bock começam a olhar para o mercado de outra forma e a lançar cervejas mais encorpadas. Dificeis de encontrar nos restaurantes, não podemos esquecer q Portugal nunca foi um Pais com cultura cervejeira o que nestes ultimos anos está a mudar e cada dia as pessoas estam a procurar degustar cervejas diferentes e talvez seja essa a razão para o consumo ter diminuido no que diz respeito litro per capita e na minha opinião aumentado no que diz respeito ao apreciador beber menos quantidade em litros mais mais em variedade de cervejas-