
A Primeira Guerra Mundial é um ponto de viragem da história mundial. O Doutor Fernando da Silva Correia testemunhou não só a tragédia que caraterizou este conflito, mas também os avanços científicos e técnicos de resposta a uma guerra total.
Este conflito é recordado pela maioria dos intervenientes como um episódio singular das suas vidas, um simples retrato dos costumes e tradições da época. John Keegan afirma que, no geral, a Primeira Guerra Mundial até pode ser considerada uma “guerra civilizada”. Esta designação justifica-se pela ausência de danos materiais de grande magnitude; campos de batalha localizados em espaços rurais; caracterizada pela reconstrução imediata e rápida, bem como consequente manutenção da herança cultural; a população civil não foi um alvo direto (exceção da Arménia), não houve fome generalizada, nem deslocação de população, expropriações, massacres ou atrocidades de grande escala e recorrentes. Por fim, a Primeira Guerra Mundial foi considerada a “guerra para acabar com todas as guerras”. Ainda assim, houve quem a registasse como uma tragédia e inutilidade (Keegan).
A fotografia do Doutor Fernando da Silva Correia escolhida para ilustrar esta crónica evidencia ainda outra dimensão desta dicotomia. Embora a Primeira Guerra Mundial fosse efetivamente uma calamidade, e um simples episódio da vida de muitos soldados, ela também impulsionou extraordinários avanços médicos. A imagem integra a sua vasta colectânea de testemunhos da sua vivência de médico de guerra, em França em 1918. Um exemplo, de como uma guerra de desgaste e total originou a rápida industrialização da Europa e potenciou a produção em massa de diversos produtos como as armas, mas também o excecional investimento governamental em recursos médicos (equipamentos e materiais) e homens. Os médicos estavam próximos dos horrores diários da guerra das trincheiras, das suas doenças, mortes e feridos. Como nunca antes, estes profissionais partilhavam ideias, aprendiam e aliavam o seu trabalho ao sacrifício da guerra. Pela primeira vez, um conflito militar exigia um esforço de guerra total. Para as principais forças foi essencial que toda a atividade política, económica e social desempenhasse o seu papel no caminho da vitória. Contudo, Portugal tal como a Roménia ou a Itália não acompanharam esta exigência. Estes países não aumentaram “a força dos Aliados; antes pelo contrário, diminuíram-na, uma vez que os reveses por que passaram requeriam uma diversidade de recursos de que não dispunham.” (Keegan). Também o CAPI (a força militar onde se integrava o Doutor Fernando da Silva Correia) sentiu este constrangimento: o acampamento retratado foi fortemente bombardeado pelos Alemães em março de 1918.
A Primeira Guerra Mundial é um conflito de impasse. Todos os movimentos significavam arriscar tudo, sobretudo para as forças portuguesas que não tinham a formação, comunicações, os recursos e homens necessários para o seu sucesso (Pereira). Resta, hoje, em 2018, ao relembrar o seu centenário, questionar o papel da guerra no mundo global, como se faz a guerra e a paz ou como se qualifica e quantifica o seu desenlace.
Joana Tornada
Referências
Ribeiro, Joana Beato, “A «vida nova» de Fernando da Silva Correia na Grande Guerra”, Cadernos de estudos leirienses – 16, Textiverso, 2018.
Pereira , João Pedro Martins (AspOf Al ART), O CAPI sobre uma perspetiva operacional e disciplinar durante a Grande Guerra (Relatório Científico Final do Trabalho de Investigação Aplicada), Academia Militar, 2012 (consultado a 16 de julho de 2018, comum.rcaap.pt/bitstream/10400.26/6864/1/tia%20versão%20final.pdf).
Keegan, John, Primeira Grande Guerra, Porto Editora, 2014.
1 Esta fotografia integra o espólio do Doutor Fernando da Silva Correira e é uma impressão de um negativo cedido pela Doutora Maria Natália Correia Guedes. A sua localização e datação é incerta. No entanto, os seus testemunhos permitam esclarecer que poderá ser o campo onde o 1ºGrupo do CAPI esteve instalado em março de 1918, situado em Bailleul-sur-Thérain (França).
































