
Este livro de 810 páginas corresponde a um trabalho refundido e ampliado da tese de doutoramento de 8-11-2011 apresentada por Teresa Martins Marques a um júri que integrava Eduardo Lourenço, Eugénio Lisboa, José Carlos Seabra Pereira, Paula Morão, Maria de Lourdes Câncio Martins e Fernando Pinto do Amaral. Uma nota não aspira a resumir um volume desta dimensão mas pode surgir como um convite, uma proposta e uma sugestão de leitura.
O ponto de partida de Teresa Martins Marques é criar «um roteiro de uma viagem em torno da Obra, sobretudo nos domínios da poesia, do conto, da novela, do romance e do teatro com passagens pelo ensaio e crónicas». Neste roteiro surge o ano de 1971 como o do primeiro contacto com a obra de DMF (1927-1996): «Lira de bolso» (Dom Quixote) na montra da Livraria 111 e as palavras de João Rui de Sousa: «a coexistência do clássico e do moderno é uma das constantes da poesia de David Mourão-Ferreira.» Essa dualidade está presente num texto de DMF em 1992 sobre o amor e a paixão: «A paixão é como um dia de praia, sob um Sol escaldante, atravessado de súbitas trovoadas. O amor, esse, uma casa de campo, convenientemente aquecida durante o Inverno.» Sem esquecer o poema «Ternura»: «Desvio dos teus ombros o lençol / que é feito de ternura amarrotada / frescura que vem depois do sol / quando depois do sol não vem mais nada.» E continua em «Ladaínha dos póstumos Natais», nesta caso na dualidade «vida-morte»: «Há-de vir um Natal e será o primeiro / em que se veja à mesa o meu lugar vazio / Há-de vir um Natal e será o primeiro em que hão-de me lembrar de modo menos nítido / Há-de vir um Natal e será o primeiro / em que só uma voz me evoque a sós comigo / Há-de vir um Natal e será o primeiro o/ em que não viva já ninguém meu conhecido.» Mas este trabalho evoca também o chamado «pequeno pormenor» como o cachimbo, companheiro nas horas de café frente ao mar (Estoril, Nazaré, Arrábida, Foz do Arelho, Algarve): «na minha vida este cachimbo teve mais humanidade que muita gente com quem me cruzei, com quem falei – mas que nada me deu e em nada me acompanhou.» Uma nota breve sobre o processo criativa em DMF: depois de escrever «Écloga em tempo de guerra» recebeu cartas de Couto Viana e Vaz Pereira com referências entusiásticas mas reage ao contrário: «Um poema feito é, para mim, fonte de torturas. Não consigo dormir sobre os pálidos lourozinhos alcançados. Um demónio exigente acena-me de longe». Fixemos o decálogo de DMF em entrevista a Jacinto Baptista do «Diário Popular» em 6/6/68: «Plenos poderes à imaginação – Não utilizar directamente matéria autobiográfica – Não cobiçar os casos do próximo – Não explicar – Antes narrar que descrever – Evitar as palavras abstractas – Nunca dizer em duas frases o que pode ser dito apenas numa – Atender a cada pormenor em função do conjunto – Escrever sempre em estado de sonho – Reescrever sempre em estado de vigília»
(Editora: Âncora, Capa: Andreia Figueiredo sobre foto de Nuno Calvet, Foto da autora: Fernando Bento, Apoio: CLEPUL, FCT, Universidade de Lisboa e FLUL)
































