UM LIVRO POR SEMANA / 492 / «A solidão como um sentido seguido de Desespero» de Rui Almeida

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| D.R.

ImageDepois de «Lábio cortado», «Caderno de Milfontes», «Leis da separação» e «Temor, Único Imenso», neste seu quinto livro o poeta inscreve uma respiração poética da escuridão, da tristeza e da sombra mas não será surpresa o aparecimento de um futuro livro de poemas onde se celebre a luz, a alegria e o sol. A solidão e o desespero que este livro regista podem passar a simples acidentes de percurso ou fase de pensamento e acção que ficou na escrita e no estilo mas não permanece no sangue pisado da vida. Na região de Alcobaça é costume as pessoas dizerem que a vida é como a morte de São Bernardo: uns a rir outros a chorar. O quadro no Mosteiro mostra isso mesmo – metade dos frades toca pífaro e pandeiro, outra metade chora e desespera com a morte do fundador da Ordem.

Rui Almeida (n.1972) enuncia neste seu livro um programa que se pode localizar na página 22: «Evita sonhar, procura não saber / Dos sorrisos que se acendem / Ao longo da rua. Remete-te / À desordem moderada do teu / Coração silencioso, à ausência / De expressão, mesmo nos momentos de sobressalto. Fecha, devagar / Muito devagar, as mãos e chora / De modo a que ninguém veja. / Há alegria a mais no mundo, há / Demasiado tempo perdido a roubar / A propriedade dos tristes.»
Para Camilo Castelo Branco desesperar é o extremo dos infortúnios mas já na página 13 do livro se anuncia o segundo grupo de cinco poemas com o título geral de «Desespero». Esse poema afirma: «E sempre o desespero, / A gota limpa inundando / Negrume transparente / Líquido. Sempre a tracção / Sólida do nervo esticado / Ao limite, a agonia /Pequenina na face / Seca na garganta / A criar atrito e dor / Sem nome a dor, sem / Limite amparado / Por uma linguagem . E / Nunca o zelo da coragem / Para dizer do coração».
Na página 7 logo no primeiro verso se lê «A solidão como um sentido». Se assim for a vida deixa de ter cinco sentidos (vista, ouvido, olfacto, gosto e tacto) e passa a ter seis. Ora no poema da página 11 surgem lado a lado a solidão e a memória. Há uma leitura possível: se a solidão isola, a memória integra. Vejamos: «Lado a lado, a solidão / E a memória queimada / Da infância. Falhas / Na superfície lisa do tempo / Aceleram a rapidez / Da queda no abismo / Lado a lado, a sombra / E a cor distorcida / De um mar demasiado / Longe, onde não / Se naufraga. A cor / Do céu ausente, / Feito da ilusão de tudo / O que é lembrado.»
(Editora: Lua de Marfim, Capa e Paginação: Inês Ramos, Editor: Paulo Afonso Ramos, Coordenação: Fernando Esteves Pinto)

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