«A incerta viagem» de Isabel Gouveia
Camilo Castelo Branco escreveu um dia «A Poesia não tem presente: ou é esperança ou saudade». Os quarenta poemas que integram este livro de Isabel Gouveia aí estão para concordar com o velho (e sempre novo) escritor português (1825-1890) que, ontem como hoje, continua a ter razão. O primeiro livro desta autora foi publicado em 1962 e o título é «Atrás do Tempo». Se juntarmos a este pormenor o facto de a capa deste livro ser uma reprodução do «disco de Festo», uma peça de argila datada de 1.700 antes de Cristo, ficamos com uma ideia do que é este livro e do que tem sido a obra publicada até hoje por esta autora. Citaremos dois poemas: primeiro o que dá título ao conjunto e depois um poema exemplar do tom geral do volume de 56 páginas.
«A incerta viagem» – Se a nossa vida estática adormece / numa incerta viagem sem retorno,/ os horizontes são os mesmos, sempre…/ Contemplamos do fundo de nós mesmos / os nómadas sortudos…/ Suas pernas velozes os transportam / para países com destino à vista. / Não se sentam na vida a contemplar / a paisagem imóvel a seus olhos.
«Os remorsos» – Os remorsos são restos de passado, / gavinhas enroladas na memória / que a vão entretecendo vagamente, / docemente, quais críticos serenos /que não matam mas ferem como agulhas / espetadas no nosso coração. / Arrancar as agulhas é difícil. / essa dor que nos causam, recorrente, /aparece nos dias sem amparo / nos dias de neblina mais cerrada, /em que o gelo recobre o coração.
Fica apenas uma ideia da poesia exacta, sintética e perfeita que povoa os poemas deste livro cujo fascínio começa na belíssima capa e não termina no poema final pois nos convida a ler de novo.
(Editora: Alma Azul, Capa: O disco de Festo – Creta)

































