«Os mortos tratam-se por tu» de Fernando Grade
Cinquenta anos depois da estreia em livro (Sangria – Guimarães Editores), Fernando Grade celebra a efeméride com este Os mortos tratam-se por tu. Desde 1962 o autor assinou 29 títulos de poesia, 3 de prosa e 1 de teatro, além da sua participação em volumes colectivos onde se inclui a colecção Viola Delta em publicação permanente desde 1977.
A enumeração de mais de mil nomes de mortos queridos é uma homenagem e, pela memória convocada, uma forma de poesia. Entre os nomes há gente não só das Artes e das Letras (Soeiro Pereira Gomes, Eduardo Guerra Carneiro, Mário Ventura Henriques, José Gomes Ferreira ou Maria Helena Vieira da Silva) mas também do Desporto: Matateu, Barrigana, José Travassos, Artur Quaresma, Vítor Baptista.
Amália Rodrigues surge como «ladra de rosas (amarelas)» e o seguinte verso no inventário é «o ladrão de coelhos». Ora ladrão de coelhos pode ser lido como segundo sentido de «Os mortos voados». Os mortos que voaram (partiram) para uma terra onde a verdade é a norma. Eles são o passado, o que não regressa. O ladrão de coelhos é a figura que não volta, já ninguém cria coelhos em casa e, tal como as galinhas, os coelhos são criados em instalações industriais. O ladrão de coelhos é a legenda de um tempo passado, um tempo que, como os mortos, voou para o alto, lá no meio azul das nuvens.
Neste registo surge o nome do Catitinha. Ele andava pelas praias da Linha de Cascais, Sintra e Oeste para avisar os meninos e as meninas de que devem ter cuidado ao atravessar a estrada. Sempre vestido de fato completo, o Catitinha na praia era o alvoroço e o desconcerto. Diziam que um filho seu tinha sido atropelado. Quem sabe? Talvez sim. Dizem que não há fotografias do Catitinha. Fernando Grade (que nasceu na Praia da Poça) cola o seu retrato ao lado de grandes nomes das Artes e das Letras, da Política e do Desporto. O Catitinha não morreu.
(Edições Mic, Capa: Fernando Grade, Notas: David Mestre, José Fernando Tavares, Nuno Teixeira Neves, Poema: José Manuel)
José do Carmo Francisco
































