Um Livro Por Semana 219 – «O Homem quase novo» de Paulo da Costa Domingos

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A partir de Sá de Miranda («Que farei quando tudo arde?») Paulo da Costa Domingos inscreve nos seus poemas o inventário do real: «cansa estar-se assim conectado / à máquina da banca enquanto / gira o tapete-rolante de um real / a degradar-se». O Homem novo, prometido nas revoluções, está adiado; o Mundo também: «Negra, a maré ainda não bateu / à nossa porta. Ácidas, as chuvas / ainda não comeram o pasto / do nosso rebanho». O Homem está dividido entre um tempo juvenil povoado por vizinhas inacessíveis («Bezerras imaturas») a Vala Comum dos idosos entre as ruas («o município não recolheu um pombo morto») e os lares: «Acenam uma separação / que vai ser irreversível, coração na boca / e duas pedras frias na mão, entregues / a lares onde o poema nem sobrevoa / nem é real, na companhia veterinária / de parceiros no abandono». Entre o grito juvenil («Tá-se bem!») e a lágrima dos antigos («com os olhos húmidos») o poema vê nos gatos a ligação à Vida: «Fazer a verdura voltar / a parecer verde / para que os gatos se purguem / e o apaziguamento da idade / se concilie com a Natureza». Mas também o Paraíso perdido que o poema persegue: «Um vento atiça o gato, expulsa / essa dádiva selvagem do bosque / primitivo». Depois de Peter Sloterdijk («Numa cultura em que sistematicamente nos mentem, queremos saber, não apenas a verdade mas a verdade nua e crua») vem a homenagem a Cesare Pavese: «Fumo um cigarro, tento pensar agora / noutra coisa, mas sorrio / estimulado pelo meu segredo. / Escreve-se imaginando um leitor / que saiba ler. Farrapos.»
(Conceito e Edição: Frenesi)

 

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