Apesar de (antes pelo contrário) eu não ser rico, dava uma pipa de massa por uma certa caixa de sapatos que andou muito tempo connosco (Montijo, Vila Franca de Xira, Lisboa) e onde a minha saudosa mãe (Olímpia do Carmo Almeida) guardava um conjunto de jornais O Catarinense. Eram muitos jornais. A minha paixão pelo jornalismo terá começado aí, no tempo da «estrada de macadame». O livro «As palavras em jogo» uma edição recente da Padrões Culturais, reúne 30 entrevistas e 1 memória de figuras das artes e das letras, da política e do jornalismo, da rádio e da TV sobre as relações entre o Desporto e a Sociedade. Foi com essa paixão que em 1978 comecei a colaborar no Diário Popular e que, depois, aos poucos fui passando por outros jornais e revistas. Nada acontece por acaso e o meu trabalho na Gazeta das Caldas é fruto dessa longa caminhada. Todo o jornalista aspira a ver em livro o seu trabalho numa folha de papel que acaba, muitas vezes, no fundo dos caixotes do lixo. Para os nossos amigos leitores aqui fica uma das entrevistas desse mesmo livro – «As palavras em Jogo»:
Mia Couto “Cada pessoa é uma humanidade individual”
Nasceu na Beira (Moçambique) em 1955 e viveu sempre rodeado de jornais e de livros. Jornalista e poeta tal como o pai (Fernando Couto) foi director da Agência de Informação de Moçambique, da revista “Tempo” e do jornal “Notícias de Maputo”. O pai publicou cinco livros de poemas; em 1983 Mia Couto publica o seu “Raiz de Orvalho”.
O nome Mia que já lhe deu muitas confusões nasceu do seu grande entendimento com gatos: comia e brincava com eles, por isso, pediu para ser Mia. Tem um nome civil: António Emílio.
Na Beira da infância/juventude, cidade de grandes contrastes sociais e raciais, ele chegou a ser o único miúdo branco em equipas como o “Rebenta Canela” que jogava com camisolas de uma empresa de mobílias e onde lhe chamavam Kiwa — o fintador. “Fintava muito mas rematava pouco” — recorda hoje o escritor que tem um grupo certo de futebol de praia. Apenas. E aponta um inquérito recente do jornal MédiaFax (“Carlos Cardoso é um herói!”) no qual os moçambicanos votaram no Benfica, no Sporting, no F. C. Porto e só em quarto lugar num clube de Moçambique.
“As pessoas assumem essa ligação como espaço afectivo que nada tem a ver com memória do colonialismo”…
Autor de “Vozes anoitecidas”, “Cada homem é uma raça”, “Cronicando” e “Terra Sonâmbula” (entre outros) Mia Couto não vê perigo no Francês e no Inglês: “O medo do Francês e do Inglês é um fantasma. Em Moçambique há uma língua moçambicana, a língua materna da gente das cidades.
O Inglês será sempre a segunda língua que já é em todo o lado!”.
“As línguas de raiz bantu é que estão em perigo”…
Todos iguais; todos diferentes? “Sim porque aquilo que define a identidade das pessoas não passa pela raça: cada um de nós é irrepetível e único, cada pessoa é uma humanidade individual”.
Mia Couto é biólogo, dá aulas na Universidade e trabalha num projecto de investigação sobre as plantas e animais numa terra onde “o respeito pela Terra é muito grande”; mesmo sem ecologia.
Ter uma filha pequena obriga-o ao regresso à infância: perguntador, espantado, cheio de dúvidas. “Ao contar histórias à Rita fico em estado de infância. Como na literatura — não sou escritor, estou escritor!”.
































