Tarde e a más horas!

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Conceição Henriques

A alienação de património público obedece a normas e legislação que visam garantir a boa administração, mas tal não significa que não deva também ser pautada por princípios políticos que lhes confiram atributos de equilíbrio e justeza, que a simples aplicação da lei não garante.
A decisão de transferir um imóvel da esfera pública para a privada pode ser pragmática ou estratégica, conforme resulte da admissão por parte das entidades administradoras da sua incapacidade ou ausência de vocação para a boa administração ou conservação, ou da expectativa concreta de potenciar o imóvel com benefícios tangíveis para a comunidade.
As alterações na estrutura económica do Estado do último século tornaram a administração do património público um ónus que o Estado raramente revela capacidade para suportar, pelo que edifícios e instalações antigos aguentaram o que puderam e soçobram agora sob o peso da idade e da ausência de manutenção, e acabam a ser, na maioria dos casos na óptica do já referido pragmatismo, vendidos, ou de outra qualquer forma alienados, sem garantias de salvaguarda da integridade estética ou do interesse público.
Poucas vezes a venda de património se inscreve num plano estratégico, com cuidadosa selecção do comprador, integração no planeamento urbano e inclusão por parte da entidade vendedora de cláusulas de fiscalização futura para assegurar que a transferência da esfera pública para a privada não resulta numa subversão do valor patrimonial. Os consabidos motivos de falta de meios e de capacidade para planear a longo prazo que caracterizam a administração pública no geral estão na base destas alienações precipitadas, que visam apenas alijar as entidades administradoras dos elevados custos de manutenção e reabilitação.
Estranhamente, ao mesmo tempo que isto se passa, outros tantos edifícios de grandes dimensões, que foram sendo construídos nas últimas décadas, consomem fundos públicos que nem a sua utilidade, nem o seu valor estético ou histórico, justificam.
Todos sabemos isto e todos sabemos que por vezes a única saída para situações destas é mesmo procurar um interessado que viabilize comercialmente o que o Estado português não consegue viabilizar de forma autónoma e é isto que se irá passar com os pavilhões do parque D. Carlos I, segundo julgo saber, dentro em breve.
Há, no entanto, um pormenor nesta anunciada alienação que tenho dificuldade em compreender. Se, por um lado, está à vista de todos que a reabilitação dos pavilhões está fora do alcance do erário público, sobretudo pela sua dimensão e pelo avançado estado de degradação a que chegaram, torna-se difícil compreender que o edifício contíguo, que alguns recordam como antigo Casino e outros como Casa da Cultura, e cuja dimensão permitiria a reabilitação e utilização na esfera pública, venha a ser metido no negócio sem benefício que se antecipe para os munícipes.
Não querendo ser injusta com as autoridades municipais, que herdaram este imbróglio em fase avançada e que, porventura em função disso, terão ficado reféns de quem tivesse os meios e a vontade para concorrer à reabilitação e exploração dos pavilhões, impondo unilateralmente as condições que bem entendeu, não posso, porém, deixar de lastimar veementemente a inclusão do antigo Casino na solução encontrada.
Quanto à Administração Central, que em rigor é quem deveria ter encontrado uma solução equilibrada, justa e atempada para este problema, acabou, na senda daquilo a que já nos habituámos e depois de delapidar os edifícios durante décadas, a lavar mãos do problema e a transferir o odioso da questão para o poder local.

Conceição Henriques
couto.henriques@gmail.com

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