Na edição da Gazeta das Caldas de 18 de Março, na página 21, na legenda da foto do artigo O “NÃO” ao suicídio nuclear, Ferrel 15 de Março de 1976, integrado nos 40 anos da luta contra a Central Nuclear de Ferrel, os autores cometem um lapso na leitura da faixa transportada pelos manifestantes, que muda completamente o seu sentido. A frase escrita na faixa é: “A NATUREZA ACABA ONDE O CAPITALISMO COMEÇA” e não o que os autores escreveram “POBREZA ACABA ONDE O CAPITALISMO COMEÇA”.
A propósito desta correcção que me parece legítima, não só pela reposição da verdade, mas especialmente pelo respeito pelos seus autores, gostaria de deixar o testemunho da minha lembrança desses tempos, que agora comemoramos e evocamos para memória futura. Não me foi possível ir a Ferrel na comemoração dos 40 anos, mas deixo aqui a minha homenagem aos organizadores.
A ideia de construir a central nuclear em Ferrel, surge num período ainda fresco, após a revolução de Abril. As pessoas estavam ávidas de conhecimento e lutavam pelos seus direitos, neste caso o direito à vida, que o projecto do nuclear ameaçava.
Em Abril/Maio de 1974, constitui-se em Lisboa o Movimento Ecológico Português que desde o início toma posição contra a ideia de se construir centrais nucleares em Portugal.
Quem anunciou ao país, como facto irreversível a instalação da central Nuclear, foi o Engº Nobre da Costa, secretário de Estado da Indústria Pesada. “Quem se oponha ao projecto é contra o progresso: eis o argumento de fundo. Este é, aliás o pensamento do Engº Walter Rosa…”, excerto do Livro “O Suicídio Nuclear Português”, de Afonso Cautela e outros.
Na altura quase todos os partidos parlamentares, da esquerda à direita, eram a favor da construção de centrais nucleares, por motivos diversos que não vale a pena abordar.
Quando o povo de Ferrel se levantou contra a absurda ideia de construir uma central nuclear, todo o país foi alertado para as consequências que não seriam obviamente só para Ferrel.
Não me esqueço dos muitos debates e sessões de esclarecimento com o prof. Delgado Domingos e Afonso Cautela, que neste período, foram duas peças fundamentais no esclarecimento das poucas certezas e muitas dúvidas que todos tínhamos na altura.
A preparação do Festival pela Vida Contra o Nuclear, que a Gazeta das Caldas liderou, envolveu pelo menos duas revistas ecológicas da altura, a Urtiga e a Alternativa. A revista Alternativa, na edição de Outubro de 1977, apelava já à mobilização para as Jornadas do Festival publicando como oferta extra, um poster. Na edição seguinte a Alternativa, já em Janeiro de 1978, tinha como capa, “Especial Nuclear”.
Além da comunicação social nacional, especialmente o Diário de Lisboa, estas duas revistas ecológicas também enriqueceram a informação e o debate que se veio a realizar.
Com muito orgulho, fui um dos que acompanhou o povo de Ferrel nesta luta.
Quando olho para o meu registo fotográfico deste festival, revivo a grandeza desses momentos, das pessoas que ombrearam nesta luta (alguns amigos que já partiram), que com espírito de cidadania, foram superiores aos interesses partidários.
O Povo de Ferrel, com a sua luta de anos contra o nuclear (porque não foi só de 76 a 78 mas também durante os anos seguintes) em constante vigilância, merece a admiração e o respeito de todos nós que estivemos com eles, de norte a sul do país, e de muitos outros ecologistas de vários países, que também nos acompanharam nesta vitória.
Os problemas com as centrais nucleares afectam-nos a todos, estejam elas onde estiverem. Na revista Alternativa de Janeiro de 1978 num artigo sobre as centrais nucleares no Japão, Fukushima era já apontada como um exemplo de instalação em zona de alto risco para as populações vizinhas. Se a central de Ferrel tivesse sido construída e sofrido o acidente do tipo de Fukushima, as localidades de Ferrel, Peniche, Óbidos e Caldas da Rainha seriam localidades fantasma, interditadas pela radioactividade.
Ferrel será sempre um exemplo, de como fora do alinhamento partidário, é possível ganhar causas que são do interesse das comunidades locais. Mostraram que os governos devem governar para os cidadãos e não contra eles, obrigando-os a recuar nas suas intenções.
À Gazeta das Caldas, ao seu director José Luis Almeida e Silva, ao Povo de Ferrel, aos ecologistas, e a todos os que com o seu contributo, tornaram possível sermos um país desnucliarizado, o meu obrigado.
José Nascimento
































