Isabel Xavier
professora
Pouco a pouco, acordei no meu quarto de criança. Era uma manhã de domingo e, como sempre que acordava sem pressa de me despachar para a escola, fui procurando no teto de madeira pintada, mais concretamente nos pedaços que destoavam do conjunto por apresentarem bolhas ou rachas na tinta, as “figuras” tão minhas conhecidas, criadas por esses “defeitos”. Este exercício requeria algum esforço de atenção da minha parte, era necessário conjugar uma claridade e um ângulo de visão adequados, ou seja, criar uma atmosfera própria, da qual eu própria fazia parte, se queria atingir um resultado satisfatório.
E, entretanto, lá surgiam as figuras: um homem de perfil, rosto muito alongado, acentuado por uma barba em bico e uma espécie de barrete na cabeça, uma nuvem trespassada por uma seta, uma águia em pleno voo. Algumas dessas figuras eram mais difusas, outras mais nítidas. E eu ficava feliz na sua companhia, cada uma que eu conseguia vislumbrar constituía um triunfo para mim. Lembro-me de um dia em que eu me dedicava a essa busca e chovia. Era uma chuva mansa, consistente, contínua, bem caída, e ali estava eu, sem pressas, no quentinho dos lençóis e dos cobertores, ouvindo a melodia que os pingos da chuva produziam e procurando e achando as figuras no teto do meu quarto.
Confesso: sinto saudades da chuva!
A saudade não deve ser confundida com saudosismo. É completamente estéril recordarmos a infância apenas para sofrermos com a impossibilidade de a fazermos reviver. Pelo contrário, temos é que voltar à infância em nosso íntimo e construir um estado de espírito de amor em torno dessa revivificação. Se acreditarmos que a saudade é o amor do que está longe e o amor é a saudade do que está perto, que saudade e amor são complementares, ou “os dois lados da mesma moeda”, então poderemos compreender a extraordinária quadra do livro As Sombras de Teixeira de Pascoaes, que passo a citar: “Pois cada aroma tem o mesmo talhe / Da flor que o gera e cria, em seu amor / As mesmas brancas pétalas de neve / O mesmo gesto vivo e viva cor.”
A personagem principal do filme de Woody Allen, Meia Noite em Paris, uma espécie de alter-ego do realizador, um americano a tal ponto apaixonado pela cidade que à meia-noite, qual cinderela, consegue viajar no tempo e frequentar a boémia de Paris dos anos vinte do século XX, e conviver com os artistas e os autores mais famosos desse tempo, considerava passear à chuva em Paris a melhor das experiências. Pelo contrário, a sua noiva não podia entender que gosto poderia haver em ficar todo molhado, fosse em que cidade fosse. Tudo muito simbólico. Prosseguindo no mesmo registo cinéfilo, quem não se lembra da célebre música e dança “Singing in the rain”, protagonizadas por Gene Kelly?
O mais engraçado é que os serviços de meteorologia preveem que chova já esta semana, exatamente aquela em que esta crónica virá a ser publicada. Como costuma dizer-se em linguagem coloquial: espero bem que sim… ■
































