Saramago e os professores

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João Silva
professor

Problemas de ontem, problemas de hoje que perduram sem solução à vista. Nesta frase poderia resumir o que tem sido esta luta intensa dos docentes em defesa da escola pública, da sua profissão e dos seus direitos.
Revisito Saramago no seu “Homem Duplicado” e assumo relembrar frases suas que me fazem pensar. Coisa estranha numa sociedade que valoriza o imediatismo e retrata as suas ideias em simples emojis.
Saramago nutria uma profunda admiração e reconhecimento pelos professores. Percebia o duro esforço do seu trabalho. Considerava que “os professores precisam de ir bem alimentados à escola para poderem arrostar com o duríssimo trabalho de plantar árvores ou simples arbustos da sabedoria em terrenos que, na maior parte dos casos, puxam mais para o sáfaro que para o fecundo”. Já passaram muitos anos sobre o momento em que Saramago escreveu estas palavras e, entretanto, o trabalho dos docentes tornou-se mais exigente. Falo do prazer do conhecimento, do esforço em conquistar etapas, de uma sociedade que não endeuse apenas o ter.
Mas os professores não são desafiados apenas na sala de aula, e ganha atualidade a afirmação de Saramago quando refere “a última proposta de atualização emanada do ministério, das mil e tantas que fazem da vida dos infelizes docentes uma tormenta viagem a Marte através de uma interminável chuva de ameaçadores asteróides que, com demasiada frequência, acertam em cheio no alvo”.
Não mudou muito. Os professores continuam a sofrer as consequências de demasiados experimentalismos e legislação avulsa. Afirma-se a liberdade de opção nas escolhas, mas depois vota-se ao ostracismo quem não aceita seguir a corrente. Os projetos assumem nomes pomposos, estão, muitas vezes, associados a uma imensidão burocrática e despertam na comunidade docente uma aversão precoce que perdura.
Afirmo um desejo para todos os que têm uma palavra importante a dizer nos destinos da educação em Portugal, que provém das palavras de Saramago “… é pouco de dizer asneiras, a tal ponto que em alguma rara ocasião lhe sucede largá-las, ele próprio se surpreende com a estranheza, com a falta de convencimento dos seus órgãos fonadores”.
É um desejo forte e premente, uma vez que a educação precisa que os professores sejam valorizados pelo “duríssimo trabalho de plantar árvores de sabedoria em terrenos nem sempre fecundos”, pelo que chega de asneiras! ■

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