
Saikiran Datta
investigador
Diz o provérbio: Maio me molha, Maio me enxuga. A ruralidade acarreta a qualidade de doce e de seco. Esta contradição é o enigma da ruralidade. Embora sejam termos para expressar a quantidade de açúcar no vinho, possuem aqui uma conotação própria. A secura, por falta de água, traz a doçura dos vestígios rurais dantes submersos e esquecidos, estabelecendo uma ligação com a vivência dos nossos antepassados. Uma emersão da memória coletiva em concreto. Uma história renascida. Sem lágrimas nas nascentes, o que alimentam as fontes são os sabores evaporados do passado.
A propósito do Dia Nacional dos Moinhos (7 de abril), foi há duas décadas que notei a necessidade da sua preservação numa visita à azenha centenária de um carvoeiro no Casal Gaiteiro destinada a perder-se com a barragem do Arnóia. Criara um sentimento de naufrágio. As azenhas desapareceram com a morte de um estilo de vida tradicional, marcando o fim da antiga ruralidade. Esse fascínio levou-me à procura das azenhas d’El Rei. Uma extensão da praia fluvial recém-criada no Alqueva no lugar dos vestígios rurais arcaicos. Gabriela Teixeira e Margarida Belém consideram a paisagem rural uma arqueologia de património. Um doce património desprezado em nome de um seco capricho fluvial. A doçura aqui é a dignidade do moleiro, ao passo que a secura a ganância do comerciante. Digno quem preserva o seu mundo e ganancioso quem o explora para fins lucrativos, destruindo, no processo, um património valioso. Um pretexto para fazer piqueniques sobre o cemitério das relíquias. As barragens são obstáculos ao livre fluxo da ruralidade. Permuta da ruralidade original pelo artifício das necessidades artificiais. Eis a Amarguinha da moderna ruralidade, onde a espiritualidade da amendoeira é transformada num produto industrial.
Destaco a recente notícia que a aldeia submersa de Vilar, pela construção da barragem do Cabril, emergiu após sete décadas de oblívio molhado. São esses os eventos que trazem a doçura visual dos monumentos esquecidos no tempo graças à secura do território. A doçura e a secura tornam-se então estados de espírito: a doce felicidade de uma paisagem museal contrasta com a seca tristeza da seca.
O património traz um misto de sentimentos. A felicidade no meio da tristeza; a doçura no meio da secura. Entusiasmo de preservar a ruralidade temporal contra correntes contrárias. Esforço de preservar o tangível e de recordar o intangível. Enquanto a memória mumificada da ruralidade é uma doce nostalgia, a realidade hodierna afigura-se enfadonhamente secante.■
































