TEMPOS ANTERIORES À RECICLAGEM

Os caldenses mais “antigos”, assim como eu, ainda se recordam do Dr. Leonel Cardoso. Lembro-me bem da sua gentileza e das tantas vezes que me foi visitar à Livraria, e ali ficávamos a cavaquear; as mais variadas histórias surgiam espontâneas e com graça. Ouvia-as com prazer e amizade.
É vasta a sua obra literária e também deixou fama como ceramista.
Para hoje escolhemos um livro em que o autor confessa que: “aqui encontrareis os mais variados assuntos. Uns vos farão rir, outros sorrir e ainda outros vos comoverão talvez. A maior parte, porém, não passará de sucata para vender a peso ou para fazer embrulhos…”
Não nos espanta encontrarmos um capítulo dedicado às Caldas da Rainha: “A Minha terra – Poderia ter intitulado este artigo «A nossa terra». Sim… porque afinal, cada pedaço deste torrão abençoado a que chamamos Pátria, é uma parcela da nossa terra.
Mas parece-me que, chamando-lhe «Minha Terra», vinco mais a posse, sinto-a mais minha, quase exclusivamente minha.
As pessoas, a coisas, as terras, são bonitas ou feias, segundo os olhos que as veem, o prisma porque a veem. Não admira, pois, que cada terra seja, para os seus filhos, a mais linda.
Tendo resolvido dedicar o último capítulo do meu livro à minha terra, às Caldas da Rainha, e não confiando na deficiência e pobreza da minha descrição escrita, procurei suprir tais inconvenientes com o pequeno documentos gráfico que se segue.
[…] E se fossemos para as Caldas passar uns dias? Entreolharam-se, houve uns momentos de silêncio e hesitação e depois todos à uma exclamaram: Aceitamos!… Mas se durante esses dias nos aborrecermos, pagarás as despesas por tua conta! Respondi confiado: Aceito!
Partimos no dia seguinte de manhã. Chegámos às Caldas próximo do meio-dia.
Já desde Torres Veras que a temperatura era outra, que corria um fresquinho agradável. O apetite já reclamava os seus direitos e era justa a reclamação. Fomos almoçar. Almoço suculento, boas carnes, peixe fresquíssimo, e a terminar, as incomparáveis frutas da região. Desde já vos previno que sou um cicerone meticuloso e portante não quero que vão daqui apenas com ideias vagas, superficiais, como sucede à maioria dos que aqui vêm. […]
Vamos até ao Hospital. É natural começarmos pelo princípio. Sejamos metódicos. De facto, o Hospital, foi por assim dizer, a primeira pedra desta antiga vila, elevada à categoria de cidade em 1927. Este enorme edifício que aqui veem era outrora bem mais modesto. Quando em 1845, a Rainha D. Leonor passou por este lugar, a caminho da Batalha onde ia assistir às exéquias que D. João II ordenara por alma de seu pai, reparou num grupo de enfermos que se banhavam, em promiscuidade, num charco de água fumegante. Teve curiosidade de saber a causa daquele estranho espetáculo e ordenou a paragem do seu luzido cortejo afim de se informar junto daquela gente. Ao saber das curas milagrosas, operadas com estas águas resolveu experimentá-las num tumor maligno de que vinha sofrendo há um ano num dos seios e que até ali resistira a todos os tratamentos do seu físico-mor. Com grande espanto de todos e do próprio físico-mor, a ferida começou a cicatrizar.”
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Ferro Velho – Leonel Cardoso – 1936[/caption]
Ficamos por aqui. Esta edição sem indicação de editor foi composto e impresso na Imprensa Lucas & C.ª situada na Rua do Diário do Notícias, nrs.º 59 a 61 em Lisboa, no ano de 1936. As páginas finais são ocupadas com o tal documento gráfico, inicialmente prometido; são seis páginas, cada uma com três fotografias dos espaços mais emblemáticos das Caldas.
Isabel Castanheira































