
Isabel Xavier
professora
Éramos cinco meninas na turma da quarta classe do colégio (Externato Ramalho Ortigão) no ano letivo de 1966-1967. Das cinco, a Célia era a mais destemida. Por seu lado, a professora era a temível e temida D. Clarisse, unanimemente considerada uma magnífica aquisição para o quadro de docentes do colégio, tal a fama de excelente professora que a precedia. Dizia-se que os seus alunos ficavam muito bem preparados, o que era muito importante se tencionassem prosseguir estudos, como era o caso dos alunos do colégio. A D. Clarisse aposentara-se nesse ano da escola pública, na qual fora professora, em Óbidos.
Das cinco alunas, três usávamos os cabelos muito compridos, eu, a Célia e a Ana Sofia; e duas tinham cabelo curto, a Natércia e a Paula. Os nossos longos cabelos eram alvo de particular atenção por parte da professora: puxava por eles quando se arreliava connosco, arreliava-se connosco quando mexíamos nos cabelos, impedia-nos de tirar e voltar a colocar a fita que os segurava, ralhava-nos por termos a fita mal posta. Até que um dia nos revelou que, noutros tempos, as meninas que tinham os cabelos compridos não eram umas desgrenhadas como nós, que era possível ver-se-lhes os respetivos rostos, ao contrário do que sucedia connosco, porque… usavam tranças. Estava achada a solução de tão magno problema!
Então, a Célia teve uma ideia: que tal passarmos a usar tranças? Nós aderimos, como sempre acontecia com as propostas da Célia, com enorme relutância é certo, mas ainda maior vontade de agradar à professora. E foi assim que passámos a ser as “parrequinhas” das tranças, pelo menos era assim que nos sentíamos. Passámos a ser muito unidas, visto que nenhuma de nós se sujeitava a andar sozinha de tranças, durante os intervalos, nos recreios do colégio. Passámos a conhecer o desconforto que resulta de uma situação ambígua e a dupla personalidade necessária à sustentação do nosso recém-adquirido estatuto: enquanto estávamos nas aulas, muito ufanas e muito elogiadas pelas nossas tranças; durante os intervalos, envergonhadas e gozadas pelos nossos colegas devido às mesmas tranças.
Quando chegava a casa, desfazia imediatamente as tranças, mas nem por isso o meu tormento terminava. É que ficava com o meu (outrora) liso cabelo, transformado num “mar” de ondas que eu detestava, que a minha mãe se esforçava por me convencer de que eram muito bonitas e que os meus irmãos se encarregavam de me lembrar que eram, de facto, horríveis. Por mim, lavaria o cabelo todos os dias, mas não me deixavam fazê-lo! Salvavam-se os fins de semana porque lavava o cabelo e o alisava o mais que podia.
Para além da questão de adesão ou afastamento das modas em vigor, esta situação foi uma lição de vida muito importante para mim. Aprendi que há um preço a pagar, cada vez que nos sujeitamos a agradar aos outros. Neste caso mais ainda, visto tratar-se de uma dupla sujeição: à D. Clarisse e à Célia.
Isabel Xavier

































