Assim e repente passaram-se três semanas e mergulhado em compromissos profissionais enfrento a página em banco sem sombra de assunto. E no limite do prazo de entrega. Mas afinal o meu assunto não será sempre o mesmo assunto? Ainda que desmultiplicado ou transversal a vários temas o assunto deste “cachecol” e de outros é o mesmo: o desenvolvimento da nossa cidade; do nosso concelho; da nossa região, e como ele chega, ou deveria chegar, a todos. Já Adam Smith na sua obra fundadora do pensamento liberal postulava como pilar essencial da sua reflexão que “o trabalho está na origem da riqueza das nações” e fazia-o numa perspectiva de acumulação, ou seja numa lógica, e porque não dizê-lo: numa ideologia capitalista. Outros vieram depois por este pensamento em causa na sua lógica mas não no seu postulado. Ou seja, podemos (e devemos) pôr em causa o capitalismo mas não o factor trabalho como factor de produção de riqueza. Quando se questiona o capitalismo questiona-se a acumulação, não a produção por que sem ela não há distribuição. Se há assunto que é caro à esquerda (e provavelmente sempre será) é o valor do trabalho, a sua função integradora e o seu papel social como caminho de saída da pobreza. O trabalho deve ser um factor de mobilidade social e a justa remuneração o factor de reconhecimento das capacidades e competências dos cidadãos.
Infelizmente não tem sido isto que tem acontecido mais nos últimos anos. Os recentes anos de crise e da troika trouxeram consigo a estagnação laboral e o imobilismo social, quando não muitas vezes e para muitos o recuo salarial e a degradação da sua condição social. A destruição económica a que estivemos sujeitos serviu sobretudo para baixar salários e expectativas: aos empregos destruídos sucederam a criação de outros com piores remunerações. O flagelo da precariedade generalizou-se ao ponto das novas gerações já não terem grande consciência do que são direitos laborais. Essa consciência foi substituída por um sentimento de gratidão pelo emprego. Não raras vezes ligada a uma relação pessoal, o que nestes casos transporta a gratidão a uma relação de dependência quando não de subserviência. Sentimentos e relações que são em tudo o oposto a uma negociação igualitária, pois se o emprego faz falta a cidadão, o seu trabalho é preciso a quem o emprega. A única resposta a este desequilíbrio chama-se negociação colectiva e é algo que caiu de tal maneira em desuso que para as novas gerações de trabalhadores parece já nem ter significado.
Agora que este governo parece quer integrar alguns precários com outra vinculação à função pública, será tempo de valorizar esta ferramenta social. Também em ano de eleições autárquicas este terá de ser um assunto obrigatório. Nos anos mais recentes as autarquias, das Juntas de Freguesia às Câmaras Municipais criaram os maus hábitos de contarem com mão de obra barata designada por POC ou CEI. Estes trabalhadores, sendo beneficiários temporários de um subsídio de desemprego, foram muitas vezes coagidos a aceitarem, contra sua vontade, trabalhos desqualificados e desqualificantes das suas competências, para manterem um subsídio de desemprego a que têm direito por lei e para o qual descontaram previamente.
Combater o défice desta maneira é fraudulento para o todo social. Apresentam-se bons números é certo mas o que está para lá dos números é o que mais importa. Se as autarquias precisam de funcionários que os contratem. Não podem ser os POC ou os CEI a ocuparem postos de trabalho que fazem falta ao bom funcionamento de uma Junta ou uma Câmara. Não podemos ser nós, todos os outros que trabalham e descontam a financiar mão de obra barata a instituições públicas, já para não falar de empresas privadas que também recorrem a este expediente. Para além de tudo o mais estamos a contribuir para afundar o Sistema de Segurança Social, pagando dos nossos descontos o subsídio de desemprego a quem devia ter um salário e estar por sua vez também a contribuir com os seus descontos para o bem colectivo.
Temos de regressar rapidamente a padrões de remuneração progressistas, que valorizem quem trabalha, que reconheça a competência e premeie o mérito. Não é com mão de obra barata e desmotivada que o país, as autarquias ou as empresas crescem e avançam.
































