Que futuro para a imprensa regional?

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Gonçalo Fagundes Meira
Diretor do Jornal A Aurora do Lima

Hoje, por razões bem conhecidas, os jornais já não têm o encanto que tinham há 40/50 anos. Nesse tempo, o hábito da leitura do jornal, apesar do baixo nível cultural do país, era uma realidade, mesmo nos locais mais recônditos. Recentemente, em Viana do Castelo, falando com o responsável de um dos vários quiosques onde habitualmente faço compras e se vende o “A Aurora do Lima” (AAL), queixava-se este do declínio dos jornais, referindo que longe ia o tempo em que chegava a vender centenas de exemplares, particularmente dos diários mais conhecidos. Dava como exemplo os “Estaleiros Navais de Viana do Castelo” (ENVC), para onde chegou a vender diariamente cerca de 200 Jornais de Notícias, obrigando-se a uma entrega direta, proporcionadora de uma leitura rápida antes do início do trabalho. “Onde antes vendia centenas, hoje vendo dezenas”, dizia a concluir.
A par de constantes reduções de exemplares em cada edição, os jornais defrontam-se com um profundo decréscimo da publicidade, já que aqueles que sentem necessidade de o fazer procuram os ínvios caminhos do digital, por considerarem ser este um veículo de maior eficácia, com economia de custos. Infelizmente, quem publicita tem como única finalidade a rentabilidade dos seus negócios. Antigamente, o comportamento das empresas também se regia muito por afetos e valores de caracter social, o que hoje não acontece.
Em Viana do Castelo, em junho de 1944, fundaram-se os ENVC. Instalados – apesar do seu mercado de negócio ser universal –, a Empresa logo compreendeu a sua importância e consequente intervenção social no concelho de Viana. Tudo apoiava; chegando ao ponto de chamar a si a exploração do hotel de Santa Luzia, um ex-libris da cidade, durante cerca de duas décadas, apenas para que esta unidade hoteleira, dada a crise em que vivia, não sucumbisse. Em relação à imprensa, particularmente a regional, de forma muito especial o AAL, os ENVC nunca lhe regatearam o seu ativo apoio. Hoje, as empresas, em boa medida, são corpos estranhos na vida das regiões em que estão inseridas, porque, enconchadas nos seus espaços, vivem apenas com o objetivo do lucro, esquecendo que também lhes cabem responsabilidades em relação às comunidades que os circundam.
Terá a imprensa regional condições para resistir e continuar a manter o serviço nobre para que foi criada? Na condição de diretor do mais antigo jornal de Portugal Continental, fundado em 1855, que, até hoje, soube contornar todos os períodos turbulentos que o mundo e Portugal viveram, devo dizer que sim. É nos momentos difíceis que é preciso saber resistir: inovando, fazendo ajustes a todos os processos que contribuem para produzir uma informação mais económica sem perder qualidade, recorrendo às poucas ajudas que os poderes públicos ainda vão disponibilizando e, sem ambições de grandeza, fundamentalmente, trabalhar permanentemente no aprofundamento da informação, tornando-a criativa e desejada, que também passa muito pela colaboração gratuita de gente qualificada, das mais diversas áreas, como acontece com o AAL.
E os governos o que poderão fazer para não deixar morrer jornais que dispõem de um imperdível acervo histórico de décadas da sua região, no caso do AAL a caminho dos dois séculos? Mantendo a sua independência informativa e opinativa a imprensa regional tem razões para exigir, no mínimo, medidas que, de alguma forma, muito poderão facilitar a sua funcionalidade. Por exemplo, enquadrar os jornais, particularmente os regionais, no domínio da área cultural e aplicar a estes o IVA correspondente a tal, e cobrando-o apenas quando todos os movimentos financeiros estiverem processados.
Em publicações especiais, o AAL trabalha afincadamente junto dos agentes económicos da região no acrescento da melhoria da publicidade. Acontece que a esmagadora maioria dos anunciantes fazem os pagamentos entre três a seis meses depois da emissão da fatura. Contudo, o governo paga-se decorridos dois meses. Atente-se agora nas dificuldades dos jornais que, passados 60 dias, têm apenas recebido 20 a 30% do valor faturado, enquanto o fisco é já detentor dos 23% do Iva do valor total. Com a conjuntura difícil em que se move a imprensa, particularmente a regional, com enquadramentos desta ordem, a continuidade torna-se, sem dúvida, mais difícil.
Há outras medidas que os governos centrais e regionais podem adotar para que a imprensa regional possa ter a vida mais facilitada, contudo o espaço limitado deste escrito não me permite ir mais longe. Fica o empenho e a confiança na sobrevivência.
E, neste momento aniversariante, particularmente, para o Gazeta das Caldas. ■

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