Quando o fogo tudo levou…Por: Mário João Carvalho

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notícias das Caldas

notícias das CaldasPor uma questão de cidadania e actualidade não posso deixar de partilhar com todos os caldenses e amantes da Lagoa de Óbidos um pensamento que há muito me arremete e que por razões conhecidas – incêndio dos bares na doca da Lagoa – faz agora todo o sentido. Este texto, ainda que não constitua um documento com potencial para promover a mudança, deverá pelo menos conduzir à reflexão!

O incêndio de sete bares de comes e bebes na Lagoa de Óbidos veio descobrir a ponta de um iceberg. Há muito que é notória a falta de uma estratégia de ordenamento ou requalificação da praia da Foz do Arelho. É ainda mais preocupante a inexistência de uma linha de intervenção para a Lagoa de Óbidos rumo à sustentabilidade. O assoreamento da Lagoa a par da falta de organização em questões elementares como o trânsito rodoviário, a exploração desmesurada dos recursos naturais, a inexistência de um rumo e subsequentemente de um posicionamento turístico com sustentabilidade, são uma enorme ameaça. O amontoado de lixo, a par de incompreensíveis e profusos dejectos humanos que caracterizam a zona do antigo parque de campismo da Foz, fazem daquele sitio um local que apenas terá paralelo em época anterior ao séc. XX. Esta situação concorre de forma desmesurada para uma real ameaça à saúde pública. Este problema é ainda alavancado pelos inúmeros contentores de lixo que se vão mantendo estupidamente abertos, sem que os funcionários da recolha do lixo contrariem o modelo. Esta parvoíce promove não só cheiros nauseabundos como cria excelentes condições para a multiplicação de insectos.
Por outro lado, a inexplicável quantidade de auto-caravanas no referido recinto, em absoluta colisão com a lei, sem sanitários públicos adequados, pontos para a evacuação de águas sujas e outros receptáculos para diferentes detritos, constitui-se como um autêntico atentado á saúde pública. Esta situação é ainda mais preocupante quando se sabe que o local sem qualquer tipo de vigilância é ponto para fogueiras e braseiros que são verdadeiros detonadores para um qualquer drama. Relembro que o formato escolhido para parquear as auto-caravanas, em que a distância entre unidades de “alojamento” é inferior a dois metros, não respeita elementares distâncias de segurança face ao risco de explosão e/ou incêndio. Quando acontecer um grave acidente (na madrugada de 1 de Agosto foi por um triz), iremos certamente assistir a mais um episódio em que a responsabilidade “morre solteira”.
De facto em pleno ano de 2011 continua-se a acampar (agora sem qualquer condição sanitária e de segurança) no espaço onde provavelmente deveria existir um zona de lazer devidamente estruturada para o deleite de quem por ali passa ou faz umas caminhadas. É realmente amargo verificar-se que o actual recinto mais parece uma lixeira a céu aberto, levando-nos a acreditar que manutenção e continuidade do antigo Parque de Campismo evitaria o actual cenário. O presente modelo não só é desorganizado, como não acrescenta qualquer contra-partida para a população local dado que os turistas trazem tudo de suas casas. Por outro lado também não é possível esconder que o actual modelo de campismo, junto ao espelho de água da Lagoa, se constituiu como desleal face à oferta registada à entrada da vila da Foz do Arelho.
Para além dos anteriores argumentos fica uma parte da legislação que ajuda a perceber o “regabofe” que se vem vivendo no recinto junto ao espelho de água da Lagoa. Assim, e de acordo com Resolução do Conselho de Ministros n.º 11/2002, o troço de costa compreendido entre Alcobaça e Mafra, com uma extensão de cerca de 142 km, caracteriza-se, …por apresentar uma fisiografia diversificada, resultante da presença de arribas com altura bastante variável, pontualmente interrompidas pelas zonas terminais das linhas de água e por sistemas dunares. Apresenta, ainda, elementos notáveis de elevada singularidade e valor paisagístico, como é o caso da lagoa de Óbidos e da concha de São Martinho do Porto, assim como um conjunto de áreas de inquestionável riqueza em termos de diversidade biológica. Trata-se, contudo, de um troço de costa sujeito a processos erosivos graves, originando situações de risco para pessoas e bens, como se verifica em alguns aglomerados populacionais e em diversos trechos de costa com utilização balnear. Simultaneamente, as suas elevadas potencialidades, decorrentes dos seus valores endógenos e da sua posição estratégica relativamente à área metropolitana de Lisboa, determinam uma forte procura que se traduz numa intensa ocupação humana, quer dos aglomerados urbanos, quer das áreas turísticas, maioritariamente de formação recente e associadas aos aglomerados tradicionais. Contudo, esta procura, ao dirigir-se para áreas de elevada sensibilidade ecológica e baixa capacidade de carga, como são os ecossistemas costeiros, pode vir a originar situações irreversíveis de destruição dos recursos naturais e, consequentemente, a limitar o desenvolvimento das actividades socioeconómicas que valorizam o litoral. A conciliação entre a conservação dos valores naturais e patrimoniais, o uso público e o aproveitamento económico dos recursos naturais exigiu uma abordagem integrada, onde foram considerados os parâmetros da procura, os condicionamentos e as potencialidades deste troço de costa, com vista à definição de regras de uso e ocupação que viabilizem uma gestão compatível com a utilização sustentável da orla costeira, entre outros artigos, destaco o artigo 49.º e que refere as actividades interditas.
Assim nas praias marítimas são interditas as seguintes actividades, a) permanência de auto caravanas ou similares nos parques e zonas de estacionamento, entre as 0 e as 8 horas, b) prática de actividades desportivas, designadamente jogos de bola, fora das áreas terrestres ou aquáticas expressamente demarcadas para o efeito, c) circulação, acesso à margem e estacionamento de embarcações e meios náuticos de recreio e desporto fora dos canais definidos e das áreas demarcadas, d) apanha de plantas e animais marinhos, com fins económicos, fora dos locais e períodos sazonais estipulados, e) permanência e circulação de animais nas áreas concessionadas, f) utilização de equipamentos sonoros e desenvolvimento de actividades geradoras de ruído que nos termos da lei, possam causar incomodidade, g) depósito de lixo fora dos receptáculos próprios, h) actividades de venda ambulante sem licenciamento prévio, i) actividades publicitárias sem licenciamento prévio e fora das áreas demarcadas ou dos painéis instalados, j) sobrevoo por aeronaves com motor abaixo de 1000 pés, com excepção dos destinados a operações de vigilância e salvamento e outros meios aéreos de desporto e recreio fora dos canais de atravessamento autorizados, l) prática de surf e windsurf em áreas reservadas a banhistas.
Existe uma primeira e óbvia ilação a retirar de tudo isto, o número de pessoas que por ali se refugiam e fazem daquele espaço um local de férias conduzem a uma indisfarçável ultrapassagem da capacidade de carga o que condiciona de forma perigosa e até irreversível o adequado posicionamento turístico da Lagoa de Óbidos. O actual espaço já há muito que deveria estar requalificado permitindo que locais, visitantes e turistas pudessem desfrutar e contemplar a imaginária Lagoa de Óbidos rumo a um sustentável modelo de turismo natureza.

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* Mestre em Gestão Estratégica e Desenvolvimento do Turismo e doutorado em Marketing e Comércio Internacional.

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2 COMENTÁRIOS

  1. Antes da “requalificação”, que deve ser urgentemente pensada e lançada, a Câmara e a Assembleia Municipal deviam ler (pelo menos três vezes) e debater este artigo!

  2. de facto ainda nada se alterou desde então !

    quiçá porque assim aquele espaço ficou mais arranjadinho ;)

    somos quem somos temos o que merecemos … pois somos quem escolhemos ;)