Crónica do Quebéc
Deixem-nos respirar. Há sempre alguma coisa para nos pôr de mau humor.

Aproximamo-nos do final da mais bela época do ano no Québec. Nesta altura, as temperaturas exteriores durante a noite mantêm-se geralmente entre zero e os oito a nove graus centígragos negativos, pelo menos até meados de Dezembro. Muitas vezes, como está a acontecer este ano, ainda está por instalar o alvo manto de neve, com o qual invariavelmente, dentro de poucos dias, teremos de coabitar até finais de Março. Esta é uma época ideal para desfrutar de agradáveis passeios noturnos, seja nas zonas verdes da grande cidade, ou, como no nosso caso, nos amplos espaços da fronteira entre a cidade e o campo, onde a partir do fim do dia, e devido à pequeníssima densidade populacional, pois as casas não vão normalmente além de dois pisos, se começa a ver uma ligeira camada de geada (a mesma geada dos frios «intensos» dos Invernos da nossa meninice e adolescência no Chão da Parada) sobre a relva verde dos jardins, entretanto imaculavelmente limpos de todas as folhas caídas durante os meses de Outubro e Novembro.

Até há ainda bem pouco tempo podia avistar-se ao longe, do outro lado do rio São Lourenço, no sopé da montanha do Mont Royal, o fumo que saía das inúmeras chaminés das casas de Montreal, e se os ventos fossem favoráveis sentir-se mesmo os odores da lenha queimada nas suas lareiras.

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Desde 2009 no entanto, um regulamento municipal de Montreal interditou a instalação de lareiras de aquecimento a lenha. E todos aqueles que as têm em casa, são admissíveis a uma subvenção governamental para a sua substituição. Assim, a partir deste Outono, todas estas velhas e típicas lareiras que consomem lenha em estado bruto, terão de ser substituidas por outras que se alimentam de pequenas partículas sólidas que respeitem as características do novo regulamento da nossa cidade. As autoridades municipais pretendem com esta decisão diminuir a poluição do ar ambiente, através da emissão de partículas menos nocivas, para a atmosfera.

Segundo os técnicos responsáveis pela qualidade do ar que respiramos, bastam nove horas de combustão duma lareira a lenha não certificada, para provocar tanta poluição atmosférica por via da emissão de monóxido de carbono, óxido de azoto e partículas finas, como o uso normal dum automóvel recente a gasolina, durante um ano. Uma vez respirados, estes elementos em suspensão na atmosfera instalam-se nas nossas vias respiratórias, causando graves danos na saúde das populações, sobretudo àqueles que sofrem de asma ou que têm problemas cardíacos.

Segundo o senhor Alain de Sousa, um dos altos responsáveis da Câmara Municipal de Montreal, esta medida é apenas mais uma etapa, num longo caminho que tem por objectivo final a proibição pura e simples do uso de lareiras a lenha na nossa região, pretendendo desta forma dotar a nossa cidade com um dos regulamentos mais severos em toda a América do Norte, no que concerne este tipo de instalações. É que, segundo dados oficiais de 2007 os fumos nocivos provocados pelo aquecimento das habitações a lenha representam 47% do total das emissões de partículas finas na atmosfera, e são o principal responsável pela formação de smog durante o Inverno. A nível provincial esta percentagem desce para 44%.

Assim, hoje em dia, todas as novas habitações que possuem lareira, dependendo do custo que os compradores queiram dispender na sua aquisição, vêm equipadas com lareiras a gás, as mais caras, ou eléctricas mais económicas. Devemos mencionar que, hoje em dia, uma boa lareira a gás reproduz exactamente o tipo de calor, e, efeitos visuais e acústicos, que as velhas lareiras a lenha…menos o cheirinho da madeira a arder, claro!

O leitor em Portugal, que nunca foi sensibilizado para este tipo de poluição, vai achar isto mais um preciosismo made in Canada. Nós por aqui, dentro de alguns anos, se quisermos desfrutar do crepitar da combustão duma cavaca numa velha lareira, teremos de nos deslocar para os grandes espaços virgens das florestas, onde a reduzidíssima densidade populacional ainda não impõe medidas desta natureza.

J.L. Reboleira Alexandre

jose.alexandre@videotron.ca

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