Política e corrupção

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Antes de irmos mais além nesta crónica, devemos desde já alertar algum leitor mais distraído, que em nenhuma parte deste texto temos em mente, casos que possam eventualmente ter acontecido nalgum qualquer país geralmente considerado mais corrupto da Europa meridional. Entendemos todavia que até pelos nomes envolvidos, todos acabariam por perceber. Os casos recentes de corrupção que têm abalado o Québec são tantos, que a dificuldade maior que se nos põe é saber por onde começar. Optamos assim pelo caso menos conhecido da generalidade da população, devido à sua menor divulgação mediática e ao facto do personagem principal estar neste momento bem longe de nós, gozando climas mais amenos, num dos mais belos arquipélagos do Atlântico. As paradisíacas ilhas das Bahamas, que conhecemos no já distante mês de Novembro de 1979, durante aquela que seria, para nós, a primeira de diversas e curtas viagens de férias para os mares quentes do Sul.
O Doutor Arthur Porter, nativo da Serra Leoa, um dos mais pobres e corruptos países da África Ocidental, era até há pouco tempo, um dos directores hospitalares mais conceituados em toda a América do Norte. Quando há cerca de meia dúzia de anos, postulou para director geral do maior hospital anglófono da nossa cidade, a sua experiência curricular era tal, que foi aceite com voto unânime da comissão de admissão. Foi sob a sua direcção que os trabalhos de construção de um, dos dois novos mega hospitais da cidade, o anglófono, ligado a uma das maiores e mais respeitadas universidades do planeta, a conhecida McGill University, passaram rapidamente, ao contrário do hospital francófono, do papel, para aqueles que são nesta altura, os estaleiros de maior dimensão na construção de obras públicas em toda a América do Norte. É aqui no entanto que começam os problemas do Doutor Porter. Veio a conhecimento público, que para que os trabalhos fossem entregues a um dos maiores grupos de engenharia do Canadá, o grupo SNC Lavalin de Montreal, com uma longa folha de serviços, aqui e no estrangeiro, sobretudo em África, tinha subornado o director do hospital em vários milhões de dólares.
Um longo e sério trabalho de pesquisa efectuado pelo diário francófono La Presse, permitiu-nos entretanto saber que afinal o conceituado Doutor Arthur Porter, já tinha tido no passado alguns problemas nos Estados Unidos, e que durante a sua estadia em Montreal, em vez de se ocupar a pleno tempo da gestão do seu hospital, servia-se de uma das suas funcionárias para fazer transacções imobiliárias em seu nome, não só no seu país de origem, como igualmente nas Bahamas, arquipélago que é igualmente conhecido por albergar a sede de vários offshores. Depois de ter sido agraciado pelos «bons» serviços prestados à população do Québec, encontra-se neste momento na idílica ilha de New Providence, onde gere, entre outros investimentos, uma das mais afamadas discotecas na cidade capital, Nassau, com sede num pequeno escritório, onde se pode notar a existência dum telefone, uma mesa e algumas cadeiras, não se nota qualquer presença humana. Toda esta actividade extra curricular do Doutor Porter, que seria geralmente aceite, caso trabalhasse no domínio do privado, é absolutamente condenável no domínio do funcionalismo público. Sabe-se hoje no entanto que, considerando a forma como foi organizada a sua partida do Canadá, nunca foi intenção do nosso governo da altura aplicar-lhe qualquer tipo de sanção.
O mesmo não se poderá dizer no entanto, a propósito dos graves problemas que têm vindo ultimamente à luz do dia, através de uma comissão de inquérito especialmente constituída pelo anterior governo do partido Liberal, para desmontar todo um esquema de corrupção, que existia nalguns casos há mais de vinte anos, nas duas maiores cidades da nossa província, Laval e Montreal. Tratava-se dum esquema de pagamentos, em que para a obtenção dos grandes contratos, as companhias de construção civil eram, poder-se-ia dizer, obrigadas a inflacionar os custos dos seus serviços, pois o preço final pago por todos nós, incluía sempre uma percentagem que ia para os cofres do partido municipal no poder, e para os diversos intervenientes no processo, desde o engenheiro chefe das obras até outros funcionários da câmara, suspeitando-se até, que uma parte passaria para as mãos de membros importantes do crime organizado, sobretudo elementos ligados a algumas ramificações da máfia. É claro que nestas situações, apenas os grupos de construtores envolvidos no esquema, beneficiavam da totalidade dos contratos de obras nas respectivas cidades.
Os trabalhos da comissão de inquérito estão neste momento no auge, e os depoimentos públicos diários dos diversos intervenientes, são de tal forma graves, que nunca mais os trabalhos de obras públicas no Québec, serão como antes. Como primeira consequência, o maire (presidente da câmara) de Laval, o Senhor Gilles Vaillancourt, que há mais de vinte anos geria a grande cidade a Norte de Montreal, foi aconselhado por razões médicas a abandonar a chefia do município e a afastar-se da vida política. É que os inspectores da comissão de inquérito, vão em breve abrir uma meia dúzia de cofres guardados em seu nome em diversas sucursais bancárias na cidade que administrava há demasiados anos.
Em Montreal entre 2000 e 2008 o esquema de corrupção passava pelo engenheiro chefe das obras, Gilles Surprenant, que lesou os contribuintes em mais de 50 milhões de dólares, e declarou sob juramento que não se sentia obrigado a denunciar o sistema, pois era um simples funcionário. Palavras suas. A comissão de inquérito estabeleceu que este engenheiro, entretanto aposentado, recebeu cerca de $736.000.00 dólares de subornos em dinheiro, e aqui não estão incluídos os bilhetes oferecidos para os jogos de hóquei sobre o gelo, as viagens, as garrafas de vinho de marca, nem as refeições nos melhores restaurantes. A última decisão que tomou, antes de enfrentar os juízes da comissão de inquérito, foi a de vender à sua filha, a residência familiar por 1 (um) dólar. Mas como ele disse também, os seus patrões tinham conhecimento do esquema e nunca tomaram qualquer atitude.
É por isto que em Montreal, a Comissão Charbonneau, do nome da juíza chefe da mesma, não parece ter em mira a desonestidade do nosso presidente da Cãmara, Gerald Tremblay, mas sim a sua incapacidade para gerir e pôr termo a um esquema de suborno conhecido por todos, salvo pela generalidade da população. Os trabalhos da comissão vão entretanto prosseguir até que todos os culpados sejam devidamente identificados e condenados, e, para fazer jus ao que dissemos no início. É aqui que as diferenças com Portugal, mais se vão fazer sentir.

J.L. Reboleira Alexandre

jose.alexandre@videotron.ca

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