Pinto Monteiro: «violência sobre idosos é silenciosa e silenciada»

0
705

Promovido pelo Instituto de Segurança Social, IP realizou-se nos dias 20 e 21 um amplo encontro de âmbito nacional sobre violência e idosos no auditório da Escola Superior de Comunicação Social em Benfica.
O encontro arrancou com Francisco George a assinalar o choque entre o ideal do envelhecimento activo (saúde, segurança, participação) e o problema do aumento da esperança de vida pois nem sempre mais vida é mais qualidade.
O Procurador-Geral da República não estava previsto usar da palavra mas acabou por se referir ao facto de tanto a violência escolar como a violência doméstica terem mais visibilidade enquanto a «dos idosos é silenciosa e silenciada porque o idoso prefere não denunciar». Depois de sublinhar que há 550 mil inquéritos em Portugal, todos merecem atenção mas só se fala de três ou quatro, apelou à Juntas de Freguesia que conhecem os problemas no terreno e concluiu: «Um país que trata mal os idosos não tem dignidade».
Helena André, ministra do Trabalho e da Solidariedade, sublinhou que não se estimam alterações nas taxas de natalidade com a inevitável progressão do envelhecimento, o que exige estratégias inovadoras por parte do Governo. Depois de reconhecer que há situações ocultas numa realidade complexa (violência física, psicológica, financeira) prometeu que o Executivo tudo fará para alterar a situação apostando na prevenção e tornando mais acessíveis os recursos sociais e de saúde.
Carlos Andrade (União das Misericórdias) começou por referir vários equívocos nesta matéria (velhice como sinónimo de decadência e violência sobre idosos como caso de sociedades atrasadas) para concluir que o seu sector luta por uma sociedade onde a população sénior veja os seus direitos respeitados.
Alberto Ramalheira (União das Mutualidades) começou por afirmar: «Uma sociedade que não respeita os seus idosos cava a sua ruína». E prosseguiu: «Conhecemos apenas a ponta do iceberg num mar de resignação; a realidade deve ser melhor conhecida». Apelando a uma melhor atitude na família e na Escola, lembrou que o amparo dos pais na velhice já aparece na Bíblia e concluiu que as Mutualidades têm respostas sociais a nível local com mais de 2,5 milhões de beneficiários.
Francisco Ramos chamou a atenção para o paradoxo da época: viver mais tempo mas sem qualidade numa situação que se agrava nos próximos anos com a diminuição da fecundidade. E concluiu: «daqui a 40 anos o número de idosos será 2,5 vezes superior ao dos jovens; hoje são um quarto da população, daqui a 40 anos serão 50 por cento. Os cuidados continuados são um direito das pessoas, não uma obrigação da sociedade».
Vindo do País Basco, Roberto Pereira revelou que das 4.880 pessoas maltratadas em 2010 mais de 50 por cento sofreram agressões psicológicas e físicas dos seus filhos tendo havido neste campo um aumento de 16,25 por cento desde 2005.
Isabel Baptista (CESIS) referiu que embora a violência doméstica seja cada vez mais conhecida as mulheres e as idosas estão quase ausentes na investigação.
Ana Gil recordou que desde 2002 a Organização Mundial de Saúde considera a negligência (intencional ou por omissão) sobre os idosos uma matéria de saúde pública. Sublinhando que não há números exactos e que este é um assunto quase invisível apelou para a criação de uma Comissão Nacional de Protecção dos Direitos das Pessoas Idosas.

Mais idosos e mais instituições mas que instituições?

Margarida Pedroso Lima de Coimbra referiu sobre as Instituições que é tão importante defender as escolhas pessoais dos utentes como compreender os salários pequenos e a pressão a que estão sujeitos os empregados.
Célia Leite lembrou algumas pequenas coisas que podem suavizar a ida dum idoso para uma instituição: uma mobília, um gato, um periquito. Porque a instituição não é apenas as paredes e as regras; há as pessoas.
Helena Cadete, técnica há 40 anos, referiu: «A sociedade não se apercebeu do facto de haver um grupo com mais de 80 anos a aumentar». Lembrou que a OMS preconiza o envelhecimento activo e referiu, em caso de dependência física grave, gostar de ter perto de si pessoal habilitado, bem formado em termos humanos e profissionais.
Manuel Caldas de Almeida arrancou sorrisos ao referir os novos idosos de «jeans e de brinco na orelha» e para de seguida perguntar: «No futuro mais idosos e mais instituições mas que instituições?» Concluiu: «Eles precisam de respeito e querem ser felizes na sua casa, seja ela a sua casa ou o Lar».
Margarida Cerqueira trouxe de Aveiro estatísticas provando que os mais novos dão pouco valor à preparação da velhice enquanto os mais velhos apresentam imagens globalmente negativas, o mesmo acontecendo entre as freguesias rurais e urbanas. Referiu igualmente que os profissionais de saúde se impacientam com os idosos e a Comunicação Social os desvaloriza.
João Lázaro da APAV recordou os idosos abandonados nos Hospitais pela família durante as férias sublinhando que o assunto é ainda subterrâneo na sociedade. Depois de recordar o ano de 1999, Ano Internacional do Idoso, lembrou a ideia errada de que o idoso não é de novo bebé e concluiu: «o regime jurídico está desenquadrado da realidade».
O intendente Marco Martins da PSP historiou o papel da Polícia desde a Idade Média, lembrou a Constituição de 1976, sublinhou a ideia de que a PSP deve colaborar em vez de interferir concluindo que desde 1995 os programas de Proximidade e Escola Segura envolvem 900 elementos e 148 salas de atendimento a apoio a vítimas – menores, idosos, mulheres, deficientes e vítimas recentes de crime.
Para Paulo Machado «violência é violação de direitos» mesmo sendo uma realidade oculta no Portugal dual (interior versus litoral, rural versus citadino) que tem regiões onde 40 por cento das pessoas são idosos.
Carlos Poiares (Lusófona) advertiu que a nova esperança de vida coloca novas interrogações; há mitos a desconstruir e modelos a mudar. Lembrou Mitterrand e a sua frase «É possível viver de outra maneira». E prosseguiu: «Uma nova gramática de direitos deve saltar do papel para a prática, do escrever para o fazer». Definiu o actual estado de coisas como uma «civilização de plástico» onde há mais avós que netos e o que importa é a pensão (primeiro) e a herança (depois). A própria arquitectura não respeita esta estatística no planeamento da cidade.

Não há nada mais assustador que a ignorância em acção

- publicidade -

Paula Guimarães do Montepio Geral lembrou esta frase de Goethe para referir o facto de haver em Portugal 100 mil pessoas incapazes de gerir o seu património mas sem que o Tribunal decida os seus direitos e sem o código civil mudar. Desde 1999 um grupo de juristas faz sugestões ao Ministério da Justiça e à Segurança Social: o problema não é haver novos órgãos mas sim a falta de vontade de trabalhar com os procedimentos actuais. Teresa Cadavez da Provedoria de Justiça explicou que o seu serviço recebe queixas, envia recomendações e defende direitos mas de modo informal. Com idosos cada vez mais pobres e dependentes, são precisas respostas adequadas às situações actuais pois 52 por cento dos contactos na Provedor de Justiça são de idosos. As queixas de maus tratos passaram de 171 em 2007 a 215 em 2010.
Valter Hugo Mãe lembrou que o seu livro «A máquina de fazer espanhóis» é sobre o Mundo visto por um homem de 84 anos. Depois de recordar a sua relação com a idade (Há uma velhice em mim desde pequeno) e com a escrita (Escrever é um modo mágico de parar o tempo e o efémero) lembrou a infância (Tinha pena das coisas indefesas) e concluiu: «Devíamos crescer para sermos melhores e não para sermos mais tristes».
Zé Pedro (Xutos e Pontapés) advertiu que a música pode e deve unir as pessoas tendo recordado as horas passadas com o pai a ouvir jazz no gira-discos trazido de Hong Kong no regresso de Timor. Depois de afirmar ser a vida uma constante aprendizagem concluiu: «A música acalma as pessoas porque cria paciência e só com paciência se aprende».  Eunice Muñoz, neta de uma actriz e de uma amazona, mãe de seis filhos, actriz consagrada, referiu aspectos da sua personagem (Tia Alice) numa telenovela cujo cenário é uma comunidade piscatória. Depois de referir a sua ligação aos jovens actores (esteve em Cascais com alunos de Carlos Avillez) advertiu: «Devia existir outra estima para com os idosos quando ouvem mal e se deslocam com dificuldade».
No final Ana Gomes sublinhou que as 500 pessoas presentes são veículos da luta contra a violência sobre os idosos pois este encontro é um ponto de partida para ir mais longe. Edmundo Martinho concluiu os trabalhos dando conta das expectativas altas perante recursos escassos – obrigando a Segurança Social a trabalhar cada vez melhor. Finalizou: «Estes dois dias ajudaram a fazer melhor o nosso trabalho; há muitas formas de violência, às vezes no silêncio. Temos muito que aprender».

José do Carmo Francisco

- publicidade -