Pedro Gil e o Sermão aos peixes

O Pedro Gil é um rapazinho esperto e carinhoso. Anda no primeiro ano e gosta da escola, embora às vezes lhe apetecesse mais andar lá fora a brincar. Quando isso acontece, olha pela grande janela da sala de aula e sonha com as aventuras que poderia ter, se andasse à solta pelos campos que dali avista.
Depois do gradeamento do pátio,vê-se um pomar. No pomar há um poço tapado e um senhor de idade costuma andar por ali com umas tesouras de poda a cortar secos. O Pedro Gil aprendeu com o avô a cortar as hastes das árvores mais pequenas e dos arbustos, para as manter com aspeto mais bonito e para as desbastar.
Tem longos devaneios quando se apercebe que o Professor está ocupado com outros colegas, ou sobretudo quando ele está a pregar sermões aos peixes. O Pai do Pedro Gil contou-lhe que havia um famoso escritor e pregador português, chamado Padre António Vieira, que aborrecido com a pouca atenção que o povo dava às suas palavras, decidira fazer sermões aos peixes para ver se as pessoas, envergonhadas, o vinham ouvir, mesmo que a fazerem-se desentendidas.
O Pedro pensava que, o tal Padre Vieira, devia ser um homem engraçado, e até conseguia imaginar a cena de ir com a Mãe ao Jardim Público dar de comer aos patos, e lá encontrasse um senhor de idade a falar com os peixes vermelhos que por ali ondeavam.
A Mãe ia logo gostar. Estava sempre pronta a rir-se de tudo que fosse extraordinário. Mas o Pedro Gil tinha receio que as outras pessoas que passeavam no parque pensassem que, tanta originalidade era pouco saudável,e chamassem ou a polícia ou a ambulância.
A polícia, porque uma vez ele assistira a dois homens que discutiam, se terem esmurrado na cara e, embora não parecessem muito magoados, dois polícias tinham chegado e tinham-nos levado. Doutra vez, uma senhora muito idosa, andava perdida no jardim e dizia não se lembrar onde tinha deixado o cão e o guarda chuva. Embora o Pedro tivesse ficado com muita pena do pobre do cão abandonado, a ambulância tinha era levado a senhora cujo chapéu estava preso ao cabelo todo branco, apenas por um elástico e já caía penosamente de lado. O Pedro Gil andara os dias seguintes com grande cuidado a ver se encontrava o cãozinho perdido!
De qualquer modo, o facto de há uns trezentos anos, um pregador ter ficado tão triste com a falta de atenção que lhe prestavam, e até para os peixes ter falado, era um dado importante e o menino até tinha perguntado ao Pai se os peixes entendiam a fala das pessoas.
O Pai explicou que não, os peixes não entendiam nada, mas que talvez gostassem de ouvir o som das palavras do tal Padre Vieira que era famoso pelas lições que dava.
Adiante. O Pedro ouviu o Professor a dizer que agora iam fazer um desenho. Podiam escolher o tema. Cada aluno era livre de desenhar um objeto de que gostasse, mas ao apresentar o trabalho, no fim, teria de dizer algumas palavras sobre o motivo que o levava a ter feito aquela escolha.
O Pedro começou logo a imaginar um balão de ar quente com uma cestinha pendurada, aparelho que tinha visto num filme de desenhos animados, e que, a ser seu, lhe podia permitir escapar-se da escola, a voar ,em direção às nuvens e aos pássaros que enfeitavam o céu.
Aplicou-se. Desenhou primeiro a cestinha em baixo, depois o balão todo colorido e no fim só era preciso acrescentar os fios que ligavam as duas peças. Até podia acrescentar umas nuvens e uns pardais, ou mesmo um sol amarelo bem redondo para a obra ficar ao gosto do Professor.
Entretido, nem sentiu o tempo a passar. Não olhou nem para a esquerda, nem para a direita, nem para a carteira de nenhum dos outros colegas. Desenho acabado, começou a colorir.
Olhou a obra toda e pensou:

• Aqui na parte de baixo há muito espaço livre. Eu ainda podia acrescentar umas ondas azuis e uns peixes vermelhos a nadar. E assim continuou.
  Uma voz inesperada, mesmo junto à sua carteira, fê-lo estremecer.
  O Professor Valdemar estava mesmo ali e tinha assente um dedo no desenho:
• Fizeste um balão! Como se chama este balão?
• Chama-se Padre Vieira, senhor Professor, respondeu Pedro Gil atrapalhado.