A jovem actriz torceu o pé. Nessa noite tem espectáculo. Estamos numa embrulhada, temos de destorcer essa entorse, dar-lhe a volta por cima. Nem pousar, não dava, quando estala a dor. Vou pela pomada, corro Maputo, o jipe avança sem receio de buraco de estrada e de estacionamento selvagem, meia cauda na via. Vai à vontade, pára-choque de ferro dos tempos, nada lhe faz medo. E vai devagar, carro antigo não tem pressa, joga todo o seu swing mega-rodoviário entre os obstáculos que saltam.
É hora de ponta – cada vez mais parecida com hora de ponta de dia todo – e temos de gincanar, jogar um corpo a corpo automóvel, sem ilusões, o charme discreto do condutor não tem lugar, a buzina é a fala possível e é meio histérica, estridente. Lei da buzina mais forte. Tem buzinas de TIR aplicadas a 900entos de cilindrada. Dou com a pomada, vou-lhe benzer de água mineral santa, passo no Piri-Piri, meto picante na entranha, energia positiva. O Prista empresta a ligadura e o super da esquina junto ao teatro – CCU – tem gelo. A miúda tem de congelar o pé e ao mesmo tempo pomadar. Tem de pôr o pé ao alto, pouco sangue a circular lá, a entorse vai levar um abanão que foge. Mãos à obra, um bom pé, leva uma esfrega das antigas. Quando é que tens essa hipótese de massagem em cilindro lento?
A hora do jogo aproxima-se. O elenco vem vindo. Todos estamos no pé dela, Clotilde. Duas horas e meia depois de estar de barriga para o tecto – nunca tinha sido assim observado e nem teia de aranha, pois não tem aranhas tanto calor – levanta-se. Estamos à espera que pouse o sinistrado no chão. E dá-se. Já pode. Vai coxeando. Se fizesse tipo “levanta-se e anda” não pegava, desconfiava-se de telemassagem, espíritos, efeito de poderes ocultos. Aqui foi mesmo artesanal. Nada de “levanta-te e anda”. Anda mesmo. E deu-se. Na hora do espectáculo, a criança, correu o que tinha de correr. O que não foi assim ela pecochinhou.
Fernando Mora Ramos
fernando.mora.ramos@gmail.com

































