Património Rural Reabilitado

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Saikiran Datta
investigador

Numa altura em que se implementa o PRR, a bazuca europeia, há que pensar em reabilitar o património rural. Pelo menos as siglas convidam a planear esta recuperação. Há iniciativas nacionais que têm acrescentado valor à ruralidade, servindo estas como um paradigma. Todavia, a região Oeste, rica em património cultural, deixa muito que desejar, estando longe de competir nesta corrida de salvaguardar os vestígios rurais. Os elementos do rural não têm merecido a devida prioridade territorial. Explora-se a ruralidade para fins que contrariam a preservação das marcas do passado, colocando em xeque a sua existência. Que modelo de sustentabilidade se projecta para o futuro? Que património rural se lega?
No prolongamento do maciço calcário, talham-se novos projectos rurais, como a rede das Aldeias do Calcário da Serra de Sicó, onde a presença de chouços constitui um elemento interessante. No contexto da dos Candeeiros, desaparecem diariamente da paisagem serrana tais muros de pedra sem argamassa devido à invasão das pedreiras. O que ainda se destrói irreversivelmente são as vivências rurais, o saber-fazer e a imaterialidade cultural que nenhum programa nacional ou promotor jamais recuperará. O ‘pobre’ interior já entendeu o seu valor para tornar o território atractivo. A rede das Doze Aldeias Históricas da Beira Interior celebra as fortificações, a história e a paisagem rural. O que cá nos falta é o orgulho de promover e de se associar ao rural, colocando a máscara da sua identidade; a máscara de fabrico nacional e não uma importação vinda do estrangeiro nos contentores. É preciso saber gostar e viver a ruralidade. Destrui-la significa uma autoflagelação ou um bombardeamento do nosso corpo identitário sem qualquer justificação.
Quando se preserva o património, em regra por imposição e não por pertença genuína, forma-se a fantasia da fachada: uma fatia de fiambre fixada como folha. O que se perde é a lógica interna do edificado, o arranjo à volta do pátio, que caracteriza a casa rural e o casal agrícola. Desaparece nesse aborto a própria alma do rural; evapora a relação sujeito-objecto. Sem essa essencialidade, de que revitalização rural se fala?
A reabilitação do espaço rural como uma solução viável preserva a riqueza humana e material, contribui para valorizar o território e envolve o património em novas experiências e diálogos. O interesse público e o bem-estar validam a concretização desses projectos. Até porque as obras supérfluas que se erguem por aí nada contribuem para a coesão territorial e revelam custos absurdos que, de outra forma, dariam para reabilitar o meio rural. Preservar o património rural é, antes de mais, um plano de resiliência; um forte compromisso!.■

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