De Palavra em Riste | Os equipamentos e a cidade

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A importância dos equipamentos é crucial na afirmação de uma cidade, constituindo um factor primordial na sua atractividade e capacidade de resposta e também um elemento infra-estrutural decisivo para o desenvolvimento. A urbe não deve constituir apenas um aglomerado de construções-dormitório mas propiciar condições de fruição alargada de um viver em comunidade, bem como uma organização equilibrada potenciadora da sustentabilidade económica, sem que esta se traduza em prejuízo do cidadão.

Caldas da Rainha tem a sua génese indelevelmente marcada pela criação de um equipamento determinante – o Hospital Termal – cujas instalações foram significativamente melhoradas, no século XVIII, por acção de D. João V. Seria preciso esperar mais de um século para que novos e decisivos elementos fossem assinalados: a vinda de Bordalo Pinheiro, apostado na construção de uma unidade de indústria cerâmica com a mais moderna tecnologia à época existente e a chegada do comboio (que Bordalo, sempre ansioso pelo progresso, saudaria com desenhos alusivos nas páginas de «A Paródia»), originando um novo eixo de expansão urbana até à estação do caminho-de-ferro e sobretudo facilitando enormemente o acesso de quem vinha «a águas». O Termalismo e a Cerâmica afirmavam-se assim como factores identitários essenciais. E por aqui se poderá perceber melhor quão lesivo tem sido dos melhores interesses de Caldas e dos Caldenses, o premeditado, obscuro e ininterrupto desinvestimento a que, durante décadas, decisores políticos sujeitaram o Hospital Termal e, em paralelo e ao arrepio de uma utilidade e viabilidade comprovadas, as tentativas obstinadas para encerrar a Linha do Oeste. Isto se não se puder vir a privatizar, como é evidente!…
Berquó, por dentro da sua visão global para Caldas, não se preocupou apenas com a edificação dos Pavilhões, que se tornariam num ex-libris com usos muito diversos. Deixou também um teatro – o Teatro Pinheiro Chagas, cuja traça original perduraria até à década de 40 do século XX. A lição vinha desde o arquitecto romano Vitrúvio que entendia o Teatro como um polo estruturante. A fundação do Hospital Termal constituiu a matriz fundadora da cidade sobre a égide do poder considerável, em termos patrimoniais e políticos de que dispunha Leonor, a «Rainha Velha». A presença frequente desta, com o seu séquito, gerava cerimoniais. Um deles foi a representação (solicitada tardiamente pela Rainha) do «Auto de S. Martinho» de Gil Vicente, membro da sua Casa, na Igreja do Pópulo, durante a procissão de Corpus Christi de 1504. Esta representação, em que as alusões ao funcionamento do Hospital, tido por um dos mais avançados da Europa de Quinhentos, estão patentes na figura do Pobre, ultrapassa o efémero associado ao teatro, deixando um legado sobre as virtualidades de um dado equipamento, ainda hoje presente e que nos desafia: a inscrição de Caldas no roteiro Vicentino e o testemunho da Igreja do Pópulo, como o único espaço ainda existente, que não sofreu alterações de monta desde a data da função original acolhida.
Hoje em dia, a possibilidade do aparecimento do novo edifício para o Teatro da Rainha é uma óbvia mais valia, intermutável, concebido especificamente para a criação e formação, um investimento de serviço público, marca dinâmica para o século XXI, que só não avançou mais cedo devido ao desajuste com a realidade, da maioria dos regulamentos comunitários. Trata-se pois de um projecto de qualidade ímpar, de custo contido e sem paralelo na Península Ibérica e que reúne a concordância de todas as forças políticas. A Autarquia, decidiu quebrar o impasse de 13 longos anos e, enquanto dono da obra, avançar em breve para o concurso público. Importa todavia deixar claro que só um quarto do empréstimo a ser contraído, se destina a este fim.

 

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