«Os sítios sem resposta» de Joel Neto

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Para Joel Neto (n. 1974) também a Geografia é mais importante do que a História. Miguel Barcelos, o herói deste romance, resolve mudar de clube («num dia de Novembro») e passa do Sporting para o Benfica durante um processo de zelo e sobressalto como «um cristão-novo na aprendizagem do pai-nosso». O enredo é absurdo, insólito e estranho mas repete, afinal, a troca que em 1961 foi feita por Eusébio quando virou costa ao Sporting de Lourenço Marques e veio para o SLB. Rejeitado pelo Desportivo e acarinhado pelos «leões» de Moçambique, Eusébio (n.1942) chegou ao Benfica por duas razões: era menor ao tempo e a mãe recebeu «dinheiro grande». Ele não seguiu o destino de «Juca», Mário Wilson e Hilário, notáveis jogadores moçambicanos que reforçaram os «leões» de Lisboa.
Voltando à mudança de clube, o autor usa-a como pretexto para mostrar o esplendor da solidão de Miguel Barcelos. Solidão depois da chuva sobre Lisboa: «a cidade desatina, soçobrando em poucos minutos perante um turbilhão de engarrafamentos, inundações e neurose colectiva.» Solidão na freguesia açoriana onde nasceu: «a lavoura nos Açores é milhares de pessoas a receberem dinheiro para não fazerem nada, a não ser embebedarem-se pelos botequins bem caladinhas.» Solidão mesmo quando uma mulher misteriosa o visita e lhe deixa 200 euros depois de um fim de tarde de sexo: «Aquela mulher estava a comprar-me. Mais do que comprar-me: estava a prostituir-me. Duzentos euros era quanto eu valia.»
No regresso a Lisboa o herói traz a memória da infância («Não sei se cheguei a amar o Lusitânia como vim a amar o Sporting») ao lado do tempo atmosférico: «As nuvens, muito baixas, formavam por cima de nós uma barriga redonda e urgente, como que preparadas para lançar sobre a ilha o seu habitual caldo de dilúvio, neurastenia e literatura».
(Edição: Porto Editora, Capa: Alex Gozblau, Foto: Pedro Loureiro)

José do Carmo Francisco

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