Orçamento Participativo

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Gazeta das Caldas

Creio que todos conhecemos aquela história (muito provavelmente verdadeira) da senhora que vai a uma livraria e pede 120 cm de livros, acrescentando que todos têm de ter lombadas bonitas e encadernação a couro. Perante o espanto do livreiro explica que lá em casa ninguém lê, portanto o conteúdo dos livros é irrelevante, mas ela acha que fica bem na nova decoração da sala uma estante de livros e a prateleira que quer ocupar tem exactamente um metro e vinte centímetros.
Lembrei-me desta história ao pensar no orçamento participativo municipal (OP), pois dado o manifesto pouco interesse, esforço e meios que a autarquia coloca neste instrumento de cidadania sou levado a crer que ele é mantido “porque fica bem” e não porque os responsáveis autárquicos o consideram como um instrumento de afirmação cívica e desenvolvimento do Concelho. Basta olhar para a fraquíssima divulgação institucional que o município fez da actual edição, cujas votações estão a decorrer. Embora o regulamento diga expressamente que “a divulgação e promoção pública do processo é feita (…) [na] página de facebook, outdoors, mupis e noutros meios considerados adequados” (artigo 5º do regulamento) não vi pela cidade um único outdoor ou mupi que se lhe referisse, quanto ao facebook, se houve alguma publicação, passou-me despercebida.
Não vou aqui explorar o facto, já diversas vezes abordado, de os dilatadíssimos prazos de execução do OP ser uma manifesta prova da dificuldade da Câmara em gerir eficazmente projectos. Interessa-me, antes, olhar para outra dimensão do OP – o tipo de projectos submetidos.
Consultando o histórico dos projectos no, pouco funcional, sítio oficial (caldasparticipa.pt) constata-se que eles podem ser, de forma genérica, classificados em dois tipos: projectos de cidadania activa e projectos paliativos.
Estão na primeira categoria projectos que vão além da capacidade da nossa autarquia no entendimento que esta – todos os dias no-lo mostra – tem da gestão da coisa pública. Propostas que são demonstração da vitalidade da sociedade civil e contribuem efectivamente para o desenvolvimento, reforçando as estruturas de intervenção / participação cívica e cultural da sociedade. Não querendo ser injusto deixando alguns bons exemplos de fora, não posso deixar de nomear, como paradigma do que quero dizer, as propostas “acção de sensibilização ambiental”, “hortas urbanas” ou “fixação de capital intelectual criativo”.
No segundo grupo estão projectos que, com enorme mérito de quem os apresenta, expressam o desespero do cidadão, levando-o a criar estratégias para que a Câmara ou as Juntas de Freguesia realizem aquilo que já faz (devia fazer!) parte integrante das suas obrigações de gestão corrente. Quando cidadãos organizados têm de recorrer ao OP para verem arranjados os jardins públicos ou os parques infantis, estamos perante a evidência de que o poder autárquico não fez o que lhe era devido. A submissão, em todas as edições do OP, deste segundo tipo de propostas prova a incapacidade dos nossos responsáveis locais e devia ser objecto de profunda reflexão sobre as obrigações e principalmente as prioridades da respectiva gestão.
De acordo com o regulamento, as propostas do OP são objecto de avaliação técnica e (obviamente) orçamental. Fica aqui a sugestão que, a bem da transparência, seja tornado publico o parecer da viabilidade técnica e a justificação dos valores orçamentados. Da parca informação constante do sítio na internet não consigo perceber, por exemplo, como cortar canas pode custar 1227 euros por metro linear!

João Diniz
joaodiniz@joaodiniz.pt

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