Presto deferência a outro bem ambiental em vias de extinção – a quietude e serenidade que se reconhece existir no silêncio e cuja ausência degrada a qualidade de vida em Portugal, onde ter acesso a lugares em que a tranquilidade se expresse passou a ser um luxo.
O silêncio é à ausência de sons capturáveis pelo o ouvido humano pela cessação de ruído. Por analogia é a ausência ou interrupção da comunicação logo, uma atitude premeditada ou involuntária que omite ou suspende a fala. Também o manter segredo e sigilo, não revelando um assunto, pode ser tomado como a capacidade de guardar silêncio.
Como o estrondo do pretenso progresso ecoa em qualquer refúgio e porque para mim o silêncio é um espaço reverencial a ser preservado, é a incapacidade de captar a sua essência que me incita a não me silenciar, por mudez, o protesto contra a sobrecarga auditiva que preenche todos os aspetos da vida quotidiana com o ruído que nos sobressalta.
Ao invocar a presença escassa do silêncio para que este ressoe na nossa sociedade, sob pena do atual sucesso turístico se abafar na cacofonia, tenho vindo a provocar algum burburinho nas redes sociais. Pelo sonido dos comentários concluo que a noção de avanço de uns poucos inclui a tolerância ao chinfrim que, a pretexto de gerar trabalho há quem o tome, automaticamente, como normal e a mim, como pessoa demasiado suscetível a estampidos.
Confunde-se a liberdade de expressão com a da sonora poluição sempre no sentido de quebrar, com a algazarra própria dos espíritos intranquilos de nossa cultura, a harmonia dos lugares.
Desde há uns verões, em tempo do direito ao descanso de férias, num incessante crescendo pandemónio e sem conseguir estalar comportamentos, se ouve estoirar foguetes, disparar alarmes, vociferar chorrilhos de impropérios, assobiar vaias, ressoar ringues de alerta, guinchar na praia e nas piscinas, liberalizar a chinfrineira dos concertos, gritar ao telefone, batucar obras, crepitar incêndios, soar sirenes, berrar discussões, bater com os portas, cães a ladrar, buzinas a apitar, exibir a ribombância de motores e os decibéis dos auto rádios.
A incomodidade que o ruído provoca é um problema de saúde pública que precisa ser controlado com empenho de todos porque interfere na comunicação e provoca perturbações no sono, na capacidade de concentração e hipertensão arterial. A não ser que estar em férias tenha passado a ser um ato subversivo para potenciar o abstencionismo ao trabalho durante os restantes meses do ano.
Para serenar o desassossego geral é preciso valorizar a ausência de ruídos através de estímulos auditivos indispensáveis à escuta da subtileza dos murmúrios característicos do ambiente natural.
Ao temermos o vazio do silêncio que o processo do raciocínio promove, tornamo-nos em elementos de uma sociedade em fuga de si mesma, que renuncia à escuta da atenção. Precisamos ficar entregues aos nossos próprios pensamentos para nos remetermos ao silêncio interior que conduz à escuta do som natural da existência.
Para tal, há que abafar a banda sonora dos dias, criar espaço para a quietude saboreando a serenidade.
Passemos a exercitar os sussurros, sejamos a voz da descrição civilizada, da cortesia para com o meio ambiente e para com os outros.
Aos selvagens barulhentos que, independentemente da condição etária e estado de saúde dos restantes, invadem o espaço sonoro dos outros perturbando e importunando o que é um bem e direito comum, eu clamo chiu!
Maria João Melo
rainhaemcalda@gmail.com

































