Joana Louro
médica
Termina hoje a minha colaboração com a Gazeta. Não faço balanços. Compete aos leitores essa avaliação. Mas talvez tenha falado pouco do tema ao qual dedico parte significativa da minha vida e que defendo convictamente: O meu querido SNS.
Talvez o meu silêncio seja o espelho de uma profunda tristeza pela forma como tem sido desvirtuado. Destruído. Talvez tenha sido a forma de me proteger – não isenta de cobardia – para não dizer o que não devo. Infelizmente (ainda) me acontece muito!
Há uns anos atrás, depois do COVID, no extremo do cansaço e desilusão, estive quase a abandonar e a dedicar-me a uma carreira (bem atrativa!) na Medicina Privada. Desisti no ultimo instante. Até hoje pergunto-me se foi estupidez, burrice ou se serei sempre uma eterna sonhadora.
Porque é que os médicos saem do SNS? Porque nenhuma relação sobrevive, mesmo com amor, sem respeito. Sem partilha e reciprocidade. Porque só se consegue dar quando também se recebe e não quando se esvazia, escraviza ou se destrói.
No SNS a medicina ainda tem muito de missão. É o único sitio onde alguém com febre e falta de ar é atendido as 3h da manha, sem cartão de crédito, nem autorização da seguradora. A maioria dos hospitais privados não tem um verdadeiro serviço de urgência capaz de dar resposta a situações graves e complexas porque a urgência real é imprevisível e potencialmente dispendiosa, fora da logica do negócio que supõe episódios previsíveis e lucrativos. A privada funciona quando o SNS se aguenta. Se o SNS colapsar o privado será forçado a assumir um papel que não quer e para o qual não esta preparado. E vos gestores sabem disto!Não sou contra a Medicina Privada! Nem a medicina privada é o inimigo. Funciona segundo regras de mercado muito claras e com objetivos definidos: ter lucro! O erro é acreditar-se que pode substituir o SNS. Não pode! A saúde não é liberalizável.
Se o SNS colapsar o custo da saúde torna-se insuportável, mesmo os ricos teriam dificuldade em pagar… a classe media seria impensável. Os seguros disparam, os doentes crónicos, complexos são excluídos, os idosos descartados.
Quanto custa? Um idoso que precisa de cuidados paliativos? Um doente com cancro que precisa de quimioterapia, imunoterapia de elevado custo? Um AVC que precisa de reabilitar? Um filho que tem uma doença rara? Tantas milhares de situações que não cabem numa tabela excel, num relatório de contas.
O SNS é o melhor seguro de saúde que os portugueses têm. Mesmo os que não o querem e não o usam de forma rotineira, porque não precisam, porque podem pagar, porque têm dinheiro. Porque o SNS representa segurança! IE isso não tem preço. Quando tudo falha, o SNS existe: a intubar, ventilar, reanimar, tratar, paliar. Virtualmente de borla. Para todos!
É ilusório pensar que o SNS sobreviverá sem médicos, sem investimento, sem respeito.
No dia em que SNS deixar de existir será o dia em que todos vão perceber que sempre precisaram dele. A saúde é mesmo a nossa maior riqueza.

































