As termas já não são o que eram há cinco, quatro, três ou dois séculos, nem sequer do tempo em que foram moda no início do século XX ou do período curto em que se favoreceu o termalismo social. Não que a essência do espaço ou o pretexto para veranear sejam uma novidade, isso já vem de outros tempos, mas as termas foram recentemente reconfiguradas na sua oferta, embora se mantenham os princípios terapêuticos. Em complemento ao termalismo clássico medicinal, decretou-se a promoção do bem-estar e da beleza. Mas nunca se decretou, obviamente, que esses mesmos predicados devam existir, também, nos espaços urbanos, imprescindíveis para uma estada global complementar à utilização do balneário, porque isso depende da correcta interpretação do território e das opções políticas.
No termalismo, o problema das Caldas da Rainha está muito para além do estabelecimento de “um novo compromisso com a Rainha D. Leonor”. O que deve ser feito, salvo melhor opinião, é um compromisso com os caldenses e os reais e potenciais usuários das termas portuguesas. As Caldas, os benefícios da sua água mineral natural, ainda são uma marca reconhecida em Portugal, pelo que importa preservar as heranças e modernizar a oferta, mas sem que esta seja à custa dessas heranças. Por isso, em complemento, o conceito de futuro e a política urbana devem estar em consonância com a ambição de reabertura e expansão do termalismo, porque termas e cidade são indissociáveis e isso é um dos aspectos distintivos.
A autarquia tem o mérito de ter assumido o que mais ninguém quis: a concessão da água mineral natural, depois da demissão do Ministério da Saúde. Com os direitos e deveres que estão associados a esse compromisso, a autarquia passou a ser o elemento charneira de um projecto integrado de termalismo urbano. É disto que se trata para quem, como eu, ainda ambiciona a concretização de um projecto ganhador, caracterizado desde logo pelo valor que ele represente para os cidadãos caldenses e para o visitante e, ainda e em simultâneo, que o mesmo seja integrado e respeitado numa rede internacional que o possa promover.
Este tema já fez correr muita tinta, mas não será que a tinta se esgota?
Uma terra-de-águas tem uma especificidade própria, porque deve ser um “lugar global, onde se cruzam saúde e ambiente no seu melhor, mas também o suporte físico de uma actividade económica e cultural de excepção” (1999). Este “aglomerado urbano imaginário e sintético” (2000) deve permitir condições de “estada agradável ao aquista e uma ocupação diversificada, já que a expressão do lugar tem repercussões psíquicas, afectivas e culturais, bastante complexas, que contribuem para o equilíbrio biológico e terapêutico, tal como para o relacionamento social que o encontro nas termas proporciona aos seus utentes” (2002), uma experiência singular, em “rituais de experiência colectiva” (2012).
Estas palavras, escritas por mim em anos diferentes, sintetizam o que penso sobre as exigências para o espaço específico do quotidiano termal. Não basta despachar para outrem as responsabilidades gestionárias das termas e do novo hotel, neste caso das Caldas. A ambiência dos espaços urbanos próprios e adjacentes faz parte das regras básicas, quanto a dar privilégio aos usos não agressivos. E este princípio não mudou muito, mesmo se tratando de cidades. É a urbanidade aplicada à especificidade das termas. A autarquia das Caldas da Rainha ainda vai a tempo para a promover, corrigindo umas coisas ou promovendo outras, mas não se perdoará se não o fizer, e bem.
Jorge Mangorrinha
































