
Saikiran Datta
investigador
Ao conduzir na EN-115, atravessando pequenas aldeias, recordei os rostos de jovens que daí partiram rumo aos centros universitários. Em 2021, cerca de 145 mil alunos matricularam-se pela primeira vez no ensino superior. Uma viagem que raramente tem um regresso marcado. O ‘bom filho à casa torna’ é um mito trágico. O êxodo rural juvenil é um fenómeno preocupante. Perante a ausência da mão-de-obra familiar, como sobrevivem os casais agrícolas? Quem continua com a tradição da olaria? Na actual conjuntura, as estruturas tradicionais têm sido as mais afectadas. Os dados nacionais revelam que entre 1989 e 2019 mais de 60% da mão-de-obra agrícola familiar partiu ou migrou (de 1.474.557 para 574.837 indivíduos). Como unidade de trabalho mostram quebras significativas não apenas o produtor e o cônjuge, mas também outros membros familiares. Os oleiros deixaram de existir. As brochuras turísticas, contudo, continuaram a gabar dos moinhos a funcionar e das olarias a florescer. O Casal da Olaria, que era conhecido pelas suas oficinas de barro, desapareceu há meio século, sobrevivendo os antigos fornos remanescentes de um período e de uma tradição. O mesmo destino era reservado aos três hectares de vinha à sua volta. O respectivo concelho perdeu, no referido período de três décadas, cerca de 85% das explorações agrícolas com a cultura da vinha (de 872 para 124), agravando a diminuição da superfície agrícola utilizada de 7.574 para 3.305 hectares. Não é de admirar que os lagares de vinho se tenham tornado obsoletos.
Num cenário em que mais de um milhão de portugueses abandonou o país para viver no estrangeiro entre 2011 e 2021, se hoje não se travar o êxodo rural, os serviços essenciais – a farmácia, os correios e o banco – de que dependem a população também abandonarão este meio. Veja o caso da farmácia da Alvorninha, que quer migrar para a cidade. Já os médicos cá não se aventuram a curar nem as vinhas nem os queijos! Sinceramente, não temos a legitimidade de não os deixar partir. Se não conseguimos cativar os próprios filhos da terra a retornar, com que direito exigimos que os outros fiquem? O ritmo rápido de enriquecer e possuir bens materiais na cidade nunca será compensado na aldeia. Quem aqui permanece é por um sentimento de pertença. Uma paixão pelas suas raízes. Um compromisso moral à terra. Viver em resposta a um comando, o comando da tradição.
Que geração de novos habitantes preservará a identidade do mundo rural? Qual será o ponto de recomeço quando as tradições deixarem de existir? Desaparecendo a relação de afecto, as aldeias tornar-se-ão numa realidade fictícia – um “curral de moinas”. E finalmente, a queima da boneca (matrafona) assombrará, como bruxa, o errante, causando-lhe sofrimento no seu estado de solidão, desligado da comunidade. ■
































